segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Um chocolate 100% brasileiro


istockphoto
Escrevo este post alguns dias depois do Paladar, sem nem mesmo ter lido no jornal a cobertura do evento que se estabeleceu como um verdadeiro elogio à cozinha brasileira. Assisti a algumas palestras, e uma delas merece ter seus registros aqui também. Como nasce um chocolate fino baiano" tratou do chocolate brasileiro AMMA. Mais do que um chocolate, o AMMA - projeto idealizado por Diego Badaró, da quinta geração de cacauicultores de Itacaré, no sul da Bahia - é uma proposta de como se deve praticar uma agricultura sustentável no país.

Diferentemente do cacau da Tanzânia, da Venezuela ou de São Tomé, o cacau do Brasil - país que é o quinto produtor mundial -, tradicionalmente sem reconhecimento no mercado internacional como um produto de qualidade, é destinado à fabricação de manteiga e pó de cacau por algumas empresas gigantes - e não como matéria-prima dos chocolates premium europeus ou norte-americanos. Pelo seu próprio perfil (um produto commodity), o cacau, assim como o nosso café de larga escala e destinado à indústria, é classificado de acordo com seus defeitos, e não por atributos de qualidade.

Entretanto, alguns cacauicultores como Badaró (confira a reportagem que fiz na menu em 2008) estão modificando esse cenário. Nas 6 fazendas que comanda, o investimento, que começou há 8 anos, é no cultivo 100% orgânico. São 600 mil pés de cacau que crescem em meio à mata nativa (eles precisam da sombra das grandes árvores, por exemplo), nutridos com um adubo produzido ali mesmo - chamado 'biogel', que inclui desde folhas e polpa de frutas até casa de cupim. "Esse manejo orgânico cria uma resistência natural das árvores às pragas", explicou Badaró para o auditório lotado, referindo-se a bichos como a vassoura-de-bruxa, que atacou os cacaueiros baianos na década de 1990 e reduziu a produção da região a um terço (o estado chegou a ser o maior exportador mundial de cacau na década de 1960).

Também utiliza, numa relação socialmente justa, a mão de obra local. "Não dá para mecanizar a cultura do cacau", explica o produtor. Com um punhado de amêndoas de sua primeira safra, em 2006, Badaró viajou para o salão de chocolate de Nova York. Depois de encantar o chocolatier francês François Pralus, que trabalhou com seu produto, foi a vez de Badaró atrair ao país Frederick Schilling, fundador/CEO da Dagoba Organic Chocolate. Em 2007, Schilling recebeu uma caixa com amostras de grãos de cacau enviadas por Badaró. Um mês depois, ele viajou para a Bahia e, desde então, trabalham juntos para produzir "o melhor chocolate do Brasil e, porque não, um dos melhores do mundo", nas palavras de Schilling.


Além do cultivo orgânico, outros fatores interferem na qualidade do cacau baiano. O primeiro deles é a genética do fruto: nas propriedades da família há árvores centenárias. "Esse DNA é amazônico, de plantas que foram levadas para a Bahia por um bispo francês no século 18", garante Badaró.

As muitas formas ou tipos botânicos atualmente conhecidos são genericamente classificadas em dois grandes grupos: criollo e forastero amazônico. A primeira, mais rara, ocorre na América Central e, segundo Badaró, contabiliza cerca de 5% da produção mundial. Um terceiro grupo, chamada trinitário, é um híbrido - cruzamento espontâneo dos dois primeiros, ocorrido em Trinidad e Tobago. Diego Badaró trabalha com o tipo forastero, cultivado a apenas 3 séculos, cujo cultivar, denominado parazinho, não sofreu melhoramento, ou seja, tem um caráter silvestre.

Técnicas de cultivo e processos como fermentação também são fundamentais na obtenção do cacau fino. Depois de colhido, os frutos de Badaró descansam na mata, para reduzir sua umidade. Ali mesmo são quebrados e conduzidos para a casa de fermentação, "de acordo com a genética e a geografia do local", lembra Badaró.

A fermentação é prolongada e feita a baixas temperaturas, e há horários específicos para a secagem das amêndoas ao sol. O restante dos aromas do cacau são obtidos a partir da torra: Badaró e Schilling tiveram que desenvolver o equipamento por aqui, e regulam a temperatura da torrefação. No passado, explicam os idealizadores da AMMA, muitos produtores brasileiros utilizaram secadores a lenha, que conferiam sabor de fumaça às amêndoas.

Depois, seguem-se processos como a conchagem (agitação a uma determinada temperatura, que dá um toque aveludado ao produto), a temperagem e o longo descanso para a formação dos cristais (cristalização) - ao todo, do grão à embalagem, são dois meses de processamento do chocolate baiano, que ganha, com esses cuidados e alguns ajustes finos, variações de aroma e sabor.

A linha do AMMA Chocolate inclui 6 tipos - que vão de 30% de cacau (com acréscimo apenas de açúcar, também orgânico, e leite) a 85%. São chocolates com pronunciada acidez e toques frutados. Os únicos não 100% orgânicos são os de 30% e 45%. "Por causa do leite", explica Badaró. Para se ter uma ideia do salto de qualidade, a legislação brasileira aceita que um chocolate nacional tenha apenas 20% de cacau. "Muitos acham que o chocolate belga é o melhor chocolate do mundo. Mas a percepção de onde vem o melhor chocolate está começando a mudar", acredita Schilling. Agora, a dupla começa a trabalhar microlotes e diferentes origens. E que venham mais chocolates brasileiros...

2 comentários:

glaucia disse...

Cristiana,
parabéns pela matéria do chocolate, há muitoas informaçoes interessantes!
abraço, Gláucia

Unknown disse...

Olá, Gláucia, obrigada. Teremos mais chocolate brasileiro por ai!