quarta-feira, 11 de julho de 2012

Chocolate, o alimento dos deuses - parte II


A origem do cacaueiro (Theobroma cacao) é provavelmente a Amazônia — região que compreende a fronteira entre Equador, Peru, Colômbia e Brasil. Com o tempo, as plantas silvestres do cacaueiro se diferenciaram em três variedades, produzidas hoje: o crioulo, o forasteiro e o trinitário.

O primeiro, utilizado desde o tempo dos maias, é o mais fino e aromático, mas também o mais frágil; o forasteiro, mais robusto e produtivo, vem da bacia do Amazonas, resiste a pragas e pestes e, por isso, é largamente cultivado — representa 80% da plantação mundial. Já o trinitário é um híbrido dos dois primeiros, surgido na ilha de Trinidad, no Caribe, no século 18 – daí seu nome. Há quem considere uma quarta variedade, a Nacional Equador.


É do manejo adequado e cuidadoso das plantas que se elabora o cacau “fino” ou de “aroma”, cuja produção mundial não ultrapassa 1%. Uma árvore produz, em média, de 25 e 80 frutos, que originam 1 kg de amêndoas secas – delas sairão apenas 15 barrinhas de 75 g de chocolate de qualidade.


Elaborar chocolates de qualidade ou especiais a partir dessas sementes é uma atividade tão complexa quanto fazer bons vinhos. O cacau fino, geralmente cultivado em baixas quantidades, requer cuidados desde a maturação, pois é o momento em que se formam os aromas de constituição — associados ao patrimônio genético dos frutos, ao terreno e ao clima.


Outros aromas surgem após a colheita, e estão relacionados à fermentação – que deve ser longa e controlada — e à secagem das sementes. Esta etapa é essencial para a evolução dos primeiros aromas, chamados precursores: quimicamente falando, é a quebra do açúcar em glucose e frutose e a transformação de proteínas em aminoácidos livres e peptídeos. Depois, esses aromas serão desenvolvidos durante a torrefação, para se obter o buquê final — que pode envolver uma combinação dos aromas de cacau com toques florais, frutados ou de especiarias. As sementes, então, são descascadas e trituradas.


A textura do chocolate é condição essencial para sua qualidade, por isso, a trituração e o refino das sementes torradas são muito importantes. Para a fabricação do chocolate moderno — uma mistura de pasta de cacau, manteiga de cacau e açúcar — faz-se a conchagem, uma lenta agitação sob calor do chocolate, responsável pela diminuição da umidade da mistura, equilíbrio dos aromas e textura. Quente e líquido, o chocolate passa por temperagem, para solidificar (“cristalizar”) corretamente, tornar-se brilhante e fácil de ser trabalhado.


O primeiro quesito para um chocolate fino é não conter muito açúcar. Quanto mais dele, menor será a porcentagem de sólidos e manteiga do cacau — os ingredientes mais importantes de uma boa barra. A manteiga de cacau confere fluidez ao chocolate. A qualidade também é percebida ao se partir uma barra.


No Brasil, a praga vassoura-de-bruxa atacou os cacaueiros na década de 1990. Entretanto, produtores do Vale do Rio de Contas, na Bahia, há algum tempo vêm renovando suas plantações e muitos passaram a investir em cacau fino. A fazenda de cacau João Tavares, em Ilhéus, Bahia, foi premiada em outubro, pelo segundo ano consecutivo, no International Cocoa Awards, evento que consagra as melhores amostras de amêndoas de cacau durante o Salon du Chocolat 2011, em Paris. Assim, o Brasil, antes um vendedor de cacau “commodity” está, aos poucos, surgindo como um produtor de cacau de qualidade.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Chocolate, o alimento dos deuses

Acabo de voltar do Salon du Chocolat. Estou reunindo as informações sobre esse interessante mundo, fornecidas em diversas palestras sobre o cacau brasileiro, suas perspectivas e problemas, para incluir aqui. Por enquanto, segue abaixo um pouquinho da história do cacau e do chocolate, tal como contam os livros.


Antes de conquistar o clero e as cortes europeias há 400 anos, o cacau já era um alimento nobre e sagrado para os antigos povos que habitavam a Mesoamérica — designação que compreende a área onde surgiram grandes culturas e onde estão, atualmente, o México, a Guatemala, Honduras, Belize e El Salvador.


Constituída por terras baixas e úmidas, era uma região propícia ao cultivo do cacau, que também necessita de sombra e proteção contra o vento. Dos olmecas, a mãe de todas as culturas mesoamericanas, o conhecimento sobre a planta passou para os povos que os sucederam, como os maias — de onde vêm os primeiros registros arqueológicos de seu uso, há 1.200 anos. A variedade de bebidas de chocolate feitas pelos maias era imensa: podia levar baunilha, flores, pimentas e milho, entre outros ingredientes.


Instalados no atual México, a 2 mil metros de altitude, os astecas, que os sucederam, não cultivavam a planta, mas eram consumidores vorazes de cacau, que recebiam das áreas produtoras, como Soconuzco, a centenas de quilômetros de distância.


Foi a partir deles que os europeus tomaram conhecimento, no século 16, de uma bebida sagrada e destinada apenas aos nobres e guerreiros, o chocolate. Feito com água, cacau moído fino e mel, era consumido frio e depois das refeições, utilizado em rituais e de alto valor energético, sem os efeitos da embriaguez causada pelas bebidas alcoólicas.


Vertendo-se o líquido de um recipiente a outro, levantava-se uma espuma, considerada a melhor parte da bebida e um símbolo de sua qualidade. Depois da conquista dos europeus, o chocolate passou a ser batido em uma jarra profunda e cilíndrica, fazendo girar entre as mãos um bastão que funcionava como batedor.


Com a proibição da exportação de vinho da Espanha para as colônias americanas, missionários e conquistadores espanhóis aderiram ao consumo do chocolate — que, com a chegada de novos ingredientes vindos da Europa e das Índias, também passou ser misturado com açúcar, cravo e canela. No final do século 16 e já com a chancela de bebida nobre dos astecas, o chocolate se transformou na coqueluche da corte espanhola, conquistando depois as cortes da Bélgica, Holanda e de parte da Itália. Chegou à França no século 17, e passou a ser servido generosamente no castelo de Versalhes à época de Luiz XIV, rivalizando com o café, outra novidade entre os europeus. Na Inglaterra, popularizou-se misturar leite à bebida. No século 19, surgiram as primeiras barras de chocolate.