quinta-feira, 25 de março de 2010

Do Japão ao México, do mar ao sertão...


Hoje é o último dia para conferir o cardápio do chef japonês Toshio Tanahashi no restaurante Kinoshita. Especialista na culinária de devoção, que não utiliza produto de origem animal, Tanahashi preparou um cardápio na linha zen cuisine, ligada ao budismo (e restrita aos mosteiros japoneses), a partir dos produtos que encontrou por aqui. Custa R$ 160 e inclui pratos como flan de gergelim perfumado com wasabi.

No sábado, 27, o restaurante Na Cozinha recebe o pernambucano César Santos, do Oficina do Sabor, em Olinda. O cardápio terá queijo-de-coalho frito em hortelã e manjericão (R$ 12), baião-de-dois (R$ 56,90) e duas sobremesas: coco verde em calda com sorvete de tapioca, cocada com açúcar mascavo e gengibre (R$ 15) e torta de castanha-de-caju com passa de caju na cachaça (R$ 15).

No dia 29/3, a mexicana Lourdes Hernández repete a dobradinha com o chef do Mocotó, Rodrigo Oliveira, e se apresenta no restaurante Dalva & Dito, de Alex Atala. A quatro mãos, eles vão preparar: musse de abacate e molho de avelã, patê de huitlacoche com molho de tomate verde e totopos, quesadillas de queijo e cogumelos com chile de árbol e cascabel, huatape de camarão com tapioca (confira abaixo), coquetel de camarão, costelinhas com salsa de tomate e chile habanero, almôndega estilo "cantinero", em caldo de chiles e recheada de ovo de codorna ao escabeche. Custa R$ 95 (comidas, sobremesa, águas e uma margarita de boas-vindas).

Sobre este último, vale uma menção: no dia 28/2, Lourdes cozinhou com Oliveira num domingo à noite, no seu restaurante da Vila Medeiros. A união de mãos mexicanas e sertanejas resultou em pratos saborosos, harmônicos e pungentes. Mesas unidas, toalhas floridas e muitas margaritas de tamarindo e cachaças especiais formaram o entorno perfeito para a degustação que não via hora de acabar:
Requeijão com salsa mexicana
Caldo de camarão, chile e tapioca (o huatape citado acima, o grande prato da noite)
Tacos de porco, cordeiro e boi (carnes estas cozidas em vinagre e outros temperos, rica de sabor)
Mocofava com chipotle (sertão e México, num namoro único
Tortilla azul (feita com milho azul) com carne de porco cozida na cerveja e na laranja
Arroz com 3 chiles, tostados de frango e assado de legumes caipiras e nopal, num molho com sementes de abóbora, mastruz e manjericão (delicado, mas aqui já estava quase impossível seguir adiante...)
Uma amostra do que devem esperar neste próximo encontro da dupla que, aliás, já deve estar bulindo no referido cardápio...

Kinoshita (rua Jacques Félix, 405, Vila Nova Conceição, São Paulo, 11/3849.6940)
Na Cozinha (rua Haddock Lobo, 955, Jardins, São Paulo, 11/3063.5377)
Dalva & Dito (rua Padre João Manoel, 1115, Jardins, São Paulo, 11/3063.6183)

segunda-feira, 22 de março de 2010

Terra Madre


Alberto Peroli
As frases do fundador do movimento Slow Food, o italiano Carlo Petrini, na coletiva de imprensa do II Terra Madre Brasil ontem, em Brasília:

"Esta [o slow food] é uma revolução doce. Mas é uma revolução. Temos de lutá-la em todo o planeta"

"A ideia do Slow Food é ser local e sentir-se como uma fraternidade universal"

"Não somos um movimento que fala só de comida e agricultura. Nestes temas, há o holístico, a espiritualidade e a poesia. Se considerarmos só dados técnicos, não podemos falar disso"

"Será grande o Slow Food no Brasil. Porque a terra madre é grande. E as potencialidades e a diversidade do país são imensas"

"O Brasil tem a potencialidade dos jovens. Na Itália [onde o movimento começou], somos todos velhos. Esta é a grande força do país"

"Quem colocar a cozinha como uma luta entre tradição e criatividade está errando. A batalha mais importante é a defesa da diversidade"

Sobre a segunda edição do Terra Madre Brasil, evento promovido pelo Slow Food do qual participei, falarei aos poucos neste blog. Isto porque do evento vale falar dos produtos e de seus produtores, que rendem posts longos e cheios de informações - cambuci, palmito Juçara, mel de abelhas nativas, jaracatiá...


Quanto ao Carlo Petrini, as curtas acima estimulam uma convocação. Ele estará na Livraria Cultura nesta quarta-feira, dia 24/3, para uma palestra na retomada do ciclo entre Estantes e Panelas. O encontro, cujo tema é "Pergunte diretamente ao Slow Food", acontece no Teatro Eva Herz, das 18h30 às 20h. A entrada é gratuita, e os convites devem ser retirados meia hora antes, na porta do teatro.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Barista do Suplicy consagra-se campeã brasileira pela segunda vez



Na última quinta-feira, Yara Thais Castanho, do Suplicy Cafés Especiais, tornou-se bicampeã no 9º Campeonato Brasileiro de Barista. O evento, que aconteceu entre os dias 8 e 11 de março no Mercado Municipal de São Paulo, também consagrou outros campeões entre os profissionais do café. Felipe Oliveira, da Lucca Cafés Especiais, de Curitiba, venceu o 3º Campeonato Brasileiro de Latte Art, que elege os melhores profissionais no preparo de bebidas feitas com leite vaporizado sobre o espresso. Marco De la Roche (Drink Lab), campeão do ano passado e 7º lugar no último mundial, venceu o 3º Campeonato Brasileiro de Coffee in Good Spirits, em que são preparadas, em 8 minutos, duas bebidas com café e álcool (um irish coffee e uma bebida de assinatura) para 4 jurados.

Entre os dias 23 a 25 de junho, Yara disputará em Londres o World Barista Championship, a mais importante competição do mundo na categoria (Oliveira e De la Roche também disputam o mundial, em suas respectivas categorias). No campeonato mundial (assim como nas etapas nacionais), o barista tem 15 minutos para apresentar a 4 juízes sensoriais (e 2 juízes técnicos), 4 espressos, 4 cappuccinos e 4 bebidas de assinatura, que levam café mas não contêm álcool. A bicampeã voltou ao Brasil apenas para a competição - Yara atualmente faz estágio na cafeteria Estate Coffee, na Dinamarca, para onde retornou logo após a festa da consagração.

O vice-campeonato de Yara reflete a evolução porque passa o mercado de cafés especiais em uma de suas facetas-chave - a do serviço do café. Participo como juíza sensorial de campeonatos pelo Brasil desde 2005, e venho observando o caminho ascendente destes jovens e entusiasmados profissionais. A cada ano, a diferença de pontos entre os candidatos diminui - numa mostra clara da perseguição de todos por melhores notas, que nada mais são do que um aperfeiçoamento da técnica e do resultado final na xícara.

Neste ano, chamou a atenção, por exemplo, a consistência e o alto nível de treinamento dos baristas do Suplicy — que, além do primeiro lugar, conquistou a segunda e a terceira posições (com Bruno Ferreira Silva e Bruna Batista, na foto, respectivamente), entre os seis finalistas brasileiros. Um trabalho que vem sendo feito sistematicamente pelo proprietário da cafeteria, Marco Suplicy (Toda a última quinta-feira do mês, inclusive, a loja da Renato Paes de Barros promove uma competição de Latte Art, à qual atendem baristas de diferentes cafeterias, num verdadeiro estímulo à troca de ideias e de companheirismo entre esses profissionais).


Outra cafeteria que vem se sobressaindo é a Lucca Cafés Especiais, de Curitiba. dois de seus baristas ficaram entre os finalistas da competição (outro de seus representantes, Otávio Linhares, foi campeão em 2006), mas quem se destacou este ano foi Carolina Franco de Souza, filha da proprietária, Georgia Franco. Carolina, de apenas 18 anos, venceu a prova de Cup Tasters (provadores de café) com 100% de acerto e derrotou outros 18 competidores. Carolina também segue para Londres, para participar do 7th World Cup Tasting Championship.

Outra surpresa foi a conexão dos baristas com as tendências do momento, e a melhora visível nos drinques de assinatura (que costumavam errar feio nos quesitos criatividade e sabor). De la Roche, por exemplo, utilizou um método relativamente novo de preparo de café — a Aeropress — e fez com ela uma "extração composta", extraindo café e camomila ao mesmo tempo, produzindo um drinque gelado (com mel de camomila, rum e casca de tangerina) prá lá de bacana e saboroso.

Marco de la Roche

Cafés especialíssimos, tecnicamente conhecidos como microlotes, foram muito bem explorados pelos competidores. É o caso do Chapadão de Ferro, um café produzido em região vulcânica no Cerrado Mineiro, do qual Yara conseguiu extrair as prometidas notas de frutas vermelhas e uma brilhante acidez.

Ganhar um campeonato brasileiro e ter a chance de competir lá fora pode mudar para sempre a vida destes jovens. O contato com profissionais de países tradicionalmente mais comprometidos com cafés de qualidade, como Dinamarca e Japão, por exemplo, faz com que percorram uma trilha rumo ao conhecimento que não permite mais volta. Lá fora, baristas campeões mundiais tornam-se quase celebridades - um status similar, no mundo do café, ao dos chefs estrelados.

terça-feira, 9 de março de 2010

História do sabor ou do gosto?



Quando fui chamada para trabalhar na redação da revista menu, fiquei incumbida de cuidar da seção Estante, que traz resenhas de livros de gastronomia. Adoro ler. Mais do que cozinhar. E adorei resenhar livros. Saí da menu, mas vira e mexe tem resenha minha por lá. Também fiz algumas para a revista Gula. O resultado é que nunca comento livros por aqui até que estas resenhas sejam publicadas. Muitas vezes reproduzo-as no blog (outras, esqueço), mas elas são sempre curtinhas - e eu adoro estourar o número de toques encomendados. Pois há mais para comentar do que permite o exíguo espaço dedicado a livros - uma área que merecia mais páginas das publicações especializadas, tamanho tem sido o crescimento deste mercado... (como questionável, também, vem sendo a qualidade de muitas obras, principalmente as que compilam receitas). Por isso, é preciso mais linhas do que as dedicadas à crítica de um vinho para se avaliar um livro.

Gostaria de dedicar um par delas a uma obra que ganhou recentemente edição em português pelo Senac São Paulo e que, embora tenha sido, na minha opinião, um dos destaques editoriais de 2009, teve pouca projeção e análise: o livro História do sabor.


The History of taste surgiu em edição caprichada em 2007, publicada pela editora da Universidade da Califórnia. Duas coisas me chamaram atenção assim que confrontei ambas as publicações: o cuidado do Senac em fazer jus à edição original (a única mudança é a capa, menos barroca, mas não mais bonita do que a norte-americana) e o pequeno deslize na tradução do título da obra. "História do gosto" me parece uma tradução mais apropriada para tratar de um universo mais amplo do que sugere a dimensão fisiológica do termo escolhido. Pois o livro é uma compilação de estudos, feitos por especialistas de renome, em torno desse único tema, da pré-história aos nossos dias.

Organizado por Paul Freedman, professor de História da Yale, História do sabor oferece uma abordagem histórica e sociológica da alimentação relativamente abrangente, tanto em termos de periodização quanto em relação às sociedades estudadas: embora o acento seja predominantemente europeu, a obra já abre espaço para análises do gosto “dos outros”, como o da China Imperial e o do Islã medieval. Há artigos sobre o gosto europeu na Idade Média e no Renascimento. O período moderno é dedicado a assuntos como o desenvolvimento do restaurante no século 19, as inovações culinárias após 1800 e a nouvelle cuisine dos anos 1970. Ricamente ilustrada, oferece no final a bibliografia utilizada como base por seus autores em cada um dos capítulos.

Alguns textos merecem destaque pelas ideias que procuram apresentar ao leitor. Ideias estas que, geralmente, permanecem confinadas a trabalhos mais acadêmicos. Uma delas é tratar o gosto no medievo numa relação mais aproximada, e não distante e independente, das teorias médicas vigentes no período, que em grande medida ditam aquilo que os nobres devem ou não devem comer para manter sua saúde. Tais teorias conduzem, inclusive, a seleção de ingredientes e modos de cozimento mais apropriados a cada "perfil".

Outro texto interessante, escrito por Hans Teuteberg, trata do impacto das inovações tecnológicas a partir de 1800. Para desenhar este quadro, o autor se vale do contexto alemão - país que, ao lado da França, conduziu no século 19 boa parte dos estudos químicos envolvendo nutrição e fisiologia animal. Nesse cenário surgem personagens como Justus Liebig, cujo desenvolvimento de um extrato de carne (que mais tarde daria origem aos nossos cubinhos) se tornou referência em toda a Europa e Estados Unidos.

Numa obra voltada ao grande público, entretanto, algumas noções colocadas de maneira mais geral podem passar uma ideia dos fatos pouco matizada. Identifico pelo menos dois exemplos. O primeiro deles é á quantificação de restaurantes após a Revolução Francesa, na ordem de cerca de 900 (alguns contabilizam em mil) em 1825 e o dobro em 1834. À primeira vista, parece um número exagerado para o período se não se levar em conta outro texto no mesmo livro, escrito por Elliot Shore, que parametriza a contextualiza a noção do "estabelecimento" restaurante a partir do final do século 18.

A outra diz respeito ao nascimento do restaurante. Alain Drouard, conhecido historiador da alimentação francês, cita, em determinada passagem de seu artigo sobre a cozinha francesa nos séculos 19 e 20, que "no começo desse período [século 19], a maioria dos chefs era oriunda das grandes residências do Ancient Régime que caiu durante a Revolução." Tal passagem pode facilmente remeter à ideia corrente, já contestada brilhantemente por Rebecca Spang no importante livro A Invenção do Restaurante, de que o restaurante moderno surgiu no esteio da Revolução Francesa, quando os chefs da nobreza, diante da morte e perseguição aos seus ricos patrões, se viram sem emprego e se estabeleceram por conta própria. Na verdade, não creio que seja essa a intenção de Drouard que, em artigo publicado em obra imediatamente anterior comentava inclusive a falta de dados históricos sobre os cozinheiros desse período, e que chefs desse calibre eram, na verdade, pouquíssimos. O problema é da síntese, suponho.

Detalhes à parte - e cabe aqui considerar que fatos históricos são sempre interpretações, jamais verdades definitivas -, História do Sabor é uma obra necessária, por apresentar um painel de opiniões e estudos atuais sobre a gasstronomia.