sábado, 31 de janeiro de 2009

7 dias no México - On the road


Oaxaca/Cidade do México - quarto dia


Deixamos o hotel Casa Oaxaca muito cedo: teríamos 5 horas de viagem pela frente, rumo à Cidade do México - além de pelo menos 1 hora e meia para entrarmos na cidade e nos alojarmos.

Antes de sair, um restaurador chocolate quente - chocolate de Oaxaca, misturado com água.


Depois, uma visita à igreja de Santo Domingo, a maior da congregaçao dominocana no México. Começou a ser construída em 1570, mas só foi terminada em meados do século 17. Com teto e altares ricamente ornamentados durante os séculos 17 e 18, no melhor estilo barroco, teve estes últimos destruídos durante um longo período de ocupação militar, voltou a ser de uso religioso em 1938 e, desde então, paulatinamente restaurada. A foto abaixo é do jardim de Santo Domingo, repleto de maguey.


sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

7 dias no México - Tortillas, quesadillas e tostadas


Oaxaca - terceiro dia: outro almoço

Casa Oaxaca Café, de Alejandro Ruiz, é um lugar simpático, com mesas ao ar livre e garçons gentis - aliás, toda a cidade é amistosa. Onde quer que se vá, há sempre um sorriso ao ser atendido e um delicado "para servir-lhe" quando você agradece pelo serviço prestado. Um luxo.


Mas o lugar mais bonito do restaurante, que se esmera em servir a cozinha regional oaxaqueña, é o espaço onde as mulheres fazem as tortillas, tostadas e quesadillas - os verdadeiros pães de maíz do México. Lourdes gosta de dizer que eles são o prato, as servilletas (guardanapos) e os talheres dos mexicanos. E são mesmo.

O processo de elaboração desses ícones da cultura mexicana seguem os mesmos passos, mas um pequeno ajuste na espessura e no tempo de cozimento são suficientes para colocá-los em categorias completamente distintas: quesadillas, tostadas, tortillas e dobladitas. Prepará-los pode parecer simples, mas não é. Inclui selecionar corretamente o milho (pode ser milho branco, amarelo ou o milho azul, lindíssimo), deixá-lo de molho numa tina com água e um pouco de cal, fervê-lo e deixar esfriar por uma noite. No dia seguinte, remove-se a película que envolve os grãos. Este milho, ao ser moído, será transformado em uma delicada massa, num processo conhecido há 700 anos como nixtamalização. É esse processo que, há 700 anos, é o sustentáculo da culinária mexicana. Moer o milho é o grande charme do preparo - além de vê-lo sendo cozido: as mulheres (e são sempre mulheres que cuidam do preparo de milho, não os homens) usam uma espécie de socador chamado metate, feito de pedras porosas, como a vulcânica.





Dessa massa prensam-se os discos, que irão imediatamente para uma chapa quente, chamada comal, colocada sobre uma fonte de calor alimentada por madeira ou carvão (talvez pela artesania do preparo, me lembraram um pouco os fogões artesanais onde os índios fazem suas farinhas, só que bem menorzinhos). A combinação da temperatura correta da chapa (se for de metal, é pintada com cal) e a leveza da massa do milho sem película fazem com que a tortilla infle de tão delicada, num espetáculo belíssimo.


Para saboreá-las, coloca-se dentro ou sobre elas o que quiser: frango, carne de porco, frijoles, creme, cogumelos, chiles, flor de abórora, moles - ou seja, uma infinidade de recheios. Seu sabor é espetacular. Comi tortillas de milho criollo (difícil de encontrar, segundo Lourdes), milho branco e milho azul - este, o mais interessante em termos de sabor. Segundo Alejandro, nosso cocinero, cada tipo de maíz tem, também, qualidades nutricionais diferentes.

Milho criollo, difícil de encontrar

As quesadillas seguem o mesmo processo, mas são deixadas por menos tempo na chapa de metal. São dobradas ao meio como um risoles, e levam sempre queijo (nada de cheddar, please!!!!) - daí o nome. Já as dobraditas são quesadillas sem queijo.


Já as tostadas são tortillas finíssimas - e as de milho azul, imperdíveis. Foram tantos os recheios que preciso buscar minhas anotações para lembrá-los todos. O que mais me impressionou, entretanto, foi o mais simples deles: chama-se assento, e tem sabor de um torresmo... líquido. Cozinha "molecular"? Nada disso. Num de meus próximos posts, explico.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

7 dias no México

Oaxaca - terceiro dia


Depois de uma experiência do México antigo - o Temazcal (post em breve) -, almoçamos em Casa Oaxaca. No momento em que ali chegamos, um cabo de gás da cozinha havia derretido e deixou a brigada completemente rendida. Não havia problema, porém: no moderno espaço, pode-se comer as saladas, um delicioso ceviche, tomar águas frescas (como os mexicanos chamam a combinação de frutas e água) e mescal (este merecerá um post à parte), sem necessidade de fogo.

O restaurante está situado nos fundos de uma galeria, tem à frente um café e faz parte de outro empreendimento, um hotel de mesmo nome, onde decidimos passar a segunda e última noite na cidade de Oaxaca. Tão logo nos sentamos, vem ao nosso encontro Alejandro Ruiz, o simpático cocinero oaxaqueño. Senta-se conosco e toma as rédeas de nosso almoço.


Tomo uma água fresca de Jamaica para me refrecar – lá fora, o calor arde sobre as calles. Jamaica é uma flor de cor rosa vivaz, usada em muitos pratos mexicanos. É vendida, seca, nos mercados e, quando demolhada, deixa escapar um suco de cor forte e sabor incrível. Já havia experimentado num dos jantares “exquisitos” na casa de Lourdes. Mas outra experiência é tomá-lo em seu ambiente, ver os sacos de flores secas na cozinha de Margarita, chegar da rua e aliviar o calor com essa água colorida e saborosa.


Começou, então, o banquete. Provei, pela primeira vez, os insetos mexicanos. Os mexicanos comem muitos insetos e vermes, mais por gosto do que por necessidade. "São saborosos, verdadeiras iguarias", explica-me Lourdes. Dois exemplares estavam em nossa mesa: em meu prato, chipulines (gafanhotos) pequenos (médios e grandes) serviam de recheio para os taquitos de jícama, cuitlacoche y quesillo. Taquitos são tacos pequenos; jícama é uma batata-doce; e cuitlacoches são fungos parasitas, que crescem no milho na época das chuvas e são apreciadíssimos no México (também já os havia provado na casa desta cocinera atrevida). São tão desejados que há quem os cultive - os que comi, por exemplo, eram deste tipo.

O guzano - palavra mexicana para vermes em geral -, frito e moído, estava misturado ao sal que acompanhava o mescal de Lourdes. Pergunto a Alejandro como se fazem os chipulines. Ele me explica que os frita em azeite, tempera-os com alho, cebola, epazote (que no Brasil chamamos mastruz), sucos de laranja e limão. Entram no preparo de tacos, são servidos fritinhos, como antojitos. Não se encontram chipulines em todos os lugares: num país de muitos povos e culturas diferentes como é o México, eles existem apenas em Oaxaca, no Estado do México e em Molejos.

O prato de Lourdes era outra raridade: um chile de água, típico oaxaqueño, com ceviche e salsa de maracujá, que estava potentíssimo de sabor - ou seja, também "picava mucho".

De couvert, ao lado de pães saborosíssimos (todos os pães que comi no méxico superam, em muito, a média dos pães brasileiros), delicadas tortillas de milho azul.
Depois, ceviche com tostadas tlayudas - são assim chamados esses tipos de tortillas porque pertencem ao Istmo. Não há diferença em seu preparo, mas há diferença de culturas: por isso, as tostadas dessa região são as tostadas tlayudas.

Para fechar o almoço - que descobriríamos ser apenas a primeira parte dele - uma sobremesa moderna, de sabores contrastantes, com ingredientes da região - a linha de trabalho de Alejandro neste restaurante. Sobre um pequeno pedaço de marmelada, bolinhas de queijo de cabra de Oaxaca, uma rodela finíssima de chile serrano e sementes de romã. Uma delícia.

Este cocinero oaxaqueño, que entrou na cozinha aos 15 anos, trabalha nela há 23 e dedica-se há 11 ao Casa Oaxaca, também comanda o café de mesmo nome, mas perfil diferente, situado em Reforma, uma colônia (como os mexicanos costumam chamar os bairros maiores) trendy de Oaxaca, cheio de cafés, restaurantes e galerias. "Resgato as comidas populares de Oaxaca, que aprendo em minhas viagens, e sigo com esta base de pratos oaxaqueños", diz Alejandro, filho de agricultores. Foi, pois, ao café Casa Oaxaca que nos dirigimos para a segunda parte de nossa refeição.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

7 dias no México



Primeiro dia - a chegada

São 4h30 da manhã em São Paulo, mas a noite parece estar apenas começando na Cidade do México. Pelo menos para mim, que cheguei a poucas horas na cidade, depois de um dia inteiro, calmo e perfeito, de viagem: a saída da capital paulista foi tranquila, num ônibus com apenas outros 2 passageiros, e que fez o trajeto Congonhas-Guarulhos em apenas 45 minutos. Cheguei ao aeroporto uma hora mais cedo, fiz um check in rápido e sem fila, e embarquei num vôo da Mexicana, a nova companhia aérea atuante no Brasil, ainda mais calmo. Com apenas um quarto dos assentos ocupados, o vôo para a capital mexicana foi de primeira classe, com direito a 3 poltronas, inteirinhas, só para mim.

Lá do alto, o tráfego da Cidade do México ao cair da tarde lembra o fluxo da maior cidade da América do Sul. Sou recebida plea simpática Margarida, produtora de televisão e amiga da cozinheira mexicana-quase-brasileira Lourdes Hernández - Lourdes é a artífice de minha viagem ao país, nos primeiros dias de minhas vacaciones.

Ela, Margarida e seu marido, Ernesto, que também trabalha em TV, ainda continuam a conversar animadamente depois que me recolho. À mesa, delícias de boas-vindas que combinam Brasil, México e Espanha: um incrível queijo manchego, regado à cachaça Lua Cheia, da região de Salinas (MG), o meu regalo pela delicada hospedagem; Ernesto, que adora cozinhar nas horas vagas, anima-se com meu interesse por vinhos e saca a rolha de um delicioso Pinta, um dos ícones da região espanhola de Toro, que eu ainda não tivera a felicidade de provar. E, claro, não poderia faltar tequila, música mexicana e conversas sobre os planos de meu primeiro dia na cuidad. Mas já são quase 5 da manha no Brasil, e é preciso uma boa noite de sono para ajustar o fuso. Amanhã tem mais.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

sábado, 17 de janeiro de 2009

Vinho e cultura



Já estão pipocando os primeiros eventos etílicos para abrir 2009. A charmosa escola Ciclo das Vinhas, da sommelier Alexandra Corvo, prepara no dia 22 uma apresentação do livro As mil e uma noites, do século 9, regada com o tinto português Periquita. Quem fará a palestra sobre o livro é o professor do departamento de idiomas orientais da USP Mamede Mustafa Jarouche, responsável pela tradução do livro do árabe para o português. A palestra abre a série "Clássicos com Periquita", acontece às 20h e custa R$ 50.

Segue o textinho introdutório da obra, divulgado pela Alexandra:
"O Livro das Mil e uma Noites é uma das principais obras da literatura árabe e universal. Produzida por volta do século IX d.C. e somente finalizada na segunda metade do século XVIII, essa obra começou a ser divulgada no Ocidente a partir do início do século XVIII, por meio da tradução francesa do erudito Jean-Antoine Galland, e obteve sucesso fulminante, sendo então retraduzida para a maioria das línguas européias com base nessa pioneira tradução francesa. Trata-se de uma dos maiores compilações de narrativas da literatura universal, que alimentou e tem alimentado o imaginário de toda espécie possível de leitor. Foi adaptada para crianças, mas dela também se extraíram contos de fadas, histórias de terror e suspense e narrativas sensuais. Serviu de modelo tanto para inocentes livrinhos infantis como para o filme do mesmo nome de diretor italiano Pasolini, sem contar a infinidade de escritores modernos que se declaram influenciados por ela. Essa maleabilidade é mostra a riqueza desse livro verdadeiramente camaleônico."


Ciclo das Vinhas (rua Maria Figueiredo, 305, Paraíso, São Paulo, 3284.3626)

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Julie e Julia, a (deliciosa) missão


Divulgação
Em dezembro, foram liberadas as primeiras imagens do filme Julie & Julia, em que a atriz Meryl Streep faz o papel da cozinheira norte-americana Julia Child. Recapitulando: o filme (com lançamento previsto para este ano), originou-se de um livro de Julie Powell (publicado eme 2005), uma escritora-blogueira que resolveu fazer, em um ano, todas as 524 receitas ensinadas por Child no seu já clássico Mastering the art of french cooking.


Como a minha estante ainda não tem o livro de Powell nem essa verdadeira bíblia gastronômica na América dos anos 60, fui à blogosfera atrás de informações sobre as obras, de mais notícias sobre o filme (o papel de Julie será da atriz Amy Adams que, para ser sincera, desconheço), visitei o blog da moça e acabei caindo na deliciosa reportagem da revista Time sobre a famosa cozinheira-apresentadora de TV. Eram idos de 1966, e lá estava ela na capa da prestigiosa revista (deve ter sido um arraso!).


Assim, depois da passagem pelo Brasil do vanguardista Adrià (que, aliás, foi o eleito do Roda-Viva de hoje), e da tradução para o português de As revoluções de Ferran Adrià, uma biografia bacana do jornalista Manfred Weber- Lamberdière, vamos tirar da gaveta a história de Child, a mestra de muitos?

Sem saber fritar um ovo, Julia Child casou-se e, residindo temporariamente em Paris por conta do trabalho de Paul, seu marido-gourmet (naquela época era "esposo", não?), decidiu enfrentar a cozinha e matriculou-se na centenária Le Cordon Bleu. Estava dada a partida para o seu estrelato na frente das câmeras e atrás do fogão: Julia comandou o The french chef , um tremendo sucesso da telinha. O segredo? Ela dá a primeira resposta: "A cozinha francesa é simplesmente um maravilhoso jeito de tratar a comida".

Senão, vejamos: estamos na América de 40 anos atrás - um país que começava a se preocupar com a obesidade nos dois gêneros e em dois níveis (estéticos e dietéticos). É o período, segundo o sociólogo Harvey Levenstein, do boom dos produtos "diet" e "calorie-reduced" entre os homens (principalmente os da classe média), o da contra-cultura (comidas naturais, sem pesticidas etc.), da vitamino-mania. Talvez a coisa toda tenha ficado tão insossa que as classes mais abastadas voltaram a atenção e o paladar para a cozinha francesa - uma espécie de "revival" do gosto e da comida fina como símbolo de status, tal como na virada do século 20.

Photobucket
É nesse cenário — que inclui ainda "novidades" como panelas de Teflon e modernas máquinas de lavar-louça domésticas - que surge Julia e seus ensinamentos de cozinha francesa que, segundo ela, é lógica, simples e boa. Em 1961, Julia publica Mastering the art of french cooking, em parceria com as francesas Louisette Bertholle e Simone Beck — em seu quinto ano, o livro virou um fenômeno de vendas: quase 300 mil cópias. Em 1963, suas receitas estrearam em preto-e-branco e em 1966 já cruzavam de uma costa a outra dos EUA por meio de 104 emissoras de TV. Parece que foi o primeiro programa educacional (isso mesmo) a ganhar um Emmy. "Se Julia menciona wafers de baunilha, as prateleiras dos supermercados esvaziam-se da noite para o dia", diz a reportagem. Todos cozinham com Julia... Ela também tinha jeito prá coisa: "Todas as mulheres deviam beijar seu açogueiro", ensinava. Se errasse - o que acontecia frequentemente - dizia: "Nunca se desculpe" ou "o molho ficará ainda melhor assim".

Quis ser jogadora de basquete e escritora. Fumava, trabalhava 13 horas diárias na produção do programa (o primeiro de muitos, que surgiram nas três décadas seguintes) e, preparando brioches e croissants, ficou tão famosa quanto James Beard — o "rei dos gourmets", que vendera 500 mil cópias de seus 14 livros e que "levou mais homens à cozinha antes de Child". "Há tantos pratos franceses maravilhosos que acho que não vou viver o bastante para fazê-los todos", disse à Time. Julia morreu em 2004 (o que ainda dará pano prá manga, ou melhor, mais posts neste blog).

Voltando à Julie e seu blog-que-virou-livro-que-virou-filme: a texana Julie, com 30 anos, mora no Queens (NY), trabalha como secretária e foge da monotonia ao criar o projeto Julie/Julia. Promete bastante humor e muitas receitas — Julie é (como já começaram a apelidá-la) uma espécie de Bridget Jones, só que das panelas. É esperar e conferir.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Os melhores de 2008


Na segunda edição de "Seja Bemvinho melhores do ano (pelo menos prá mim)", decidi apenas eleger uma seleção dos livros de gastronomia de que mais gostei em 2008 (restaurantes, vinhos e outras delícias que visitei ou provei em 2008 e sobre os quais ainda não postei entrarão sorrateiramente em 2009...!).
O impulso veio por meio da coluna Estante, que escrevo mensalmente na revista menu, e de tantas outras leituras que, pela viés mais acadêmico, pela especificidade do tema ou mesmo pela falta de espaço numa revista impressa não couberam lá. Vamos a ela (ah: 1. a relação abaixo não está necessariamente em ordem de preferência, mas apenas de lembrança; 2. pode ser que eu continue em posts posteriores, porque essa empolgação blog-literária acaba consumindo um tempão...).

1. Cozinha modelo - João Luiz Máximo da Silva (Edusp)
Um dos melhores lançamentos do ano, sério e bem escrito. O livro é resultado da tese de mestrado de João Luiz em história pela USP, e trata do impacto da eletricidade e do gás na casa paulistana - particularmente na cozinha - entre 1870 e 1930. O autor percorre uma vasta quantidade de documentos e escolhe bem suas obras de apoio, além de objetos (referidos academicamente como cultura material) para compor um quadro histórico preciso, bastante delimitado e muito interessante sobre as modificações ocorridas no ambiente doméstico na virada do século 19 para o século 20. Nesse período, a expansão cafeeira traz profundas modificações no que, até então, era um povoado, e que são fruto das transformações tecnológicas com a introdução dessas novas fontes de energia. Entre vários aspectos, João Luiz aborda os sentimentos contraditórios provocados pela chegada do gás (crença em seus poderes curativos e terapêuticos ao lado do medo de intoxicação); as novas formas de organizar o tempo e o espaço doméstico, com a mecanização da cozinha e a racionalização de seu espaço (não mais uma cozinha bandeirista, mas um espaço menor e integrado à casa, com fornecimento constante de combustível, diferentemente da finitude da lenha ou do carvão); o ideal de civilização e progresso embutido na utilização dessas novas fontes de energia (criadas a partir de capital estrangeiro); a propaganda higienista focada também no espaço da cozinha; os novos métodos de cozinhar, com um controle mais preciso da fonte de calor, e os novos padrões de nutrição. Imprescindível.

2. História do café - Ana Luiza Martins (Contexto)


3. O mundo é o que você come - Barbara Kingsolver (Nova Fronteira)
A narrativa de Bárbara Kingsolver em O mundo é o que você come flui bem melhor do que as águas que chegam do México à desértica e populosa Tucson, no Arizona.“Nós a bebemos, enchemos máquinas de café e preparamos sucos com um fluido que faria um girino ficar enjoado”, crava a jornalista e bióloga norte-americana. Por isso, parte com a família em busca de uma alimentação mais digna. Misto de memória e reportagem, o livro discute nossa conduta alimentar atual a partir da saga dos Kingsolver, que por um ano viveram sustentavelmente numa fazenda na Virgínia. Intercalando textos do marido Steven Hopp e da filha Camille, a autora não pretende ensinar a plantar batatas. Ao contrário, nos lembra que há milhares de pessoas como o personagem Malcolm, para quem as cenouras não brotam, mas são enfiadas na terra. (texto publicado na menu de agosto/2008)

4. Com unhas, dentes e cuca - Alex Atala e Carlos Alberto Dória (Senac)

domingo, 4 de janeiro de 2009

A "festa" na Amazônia


Istockphoto
A região da Amazônia ferveu nesse fim de ano. Duas notícias importantes podem ter passado despercebidas - pelo menos por essas latitudes - durante as festas de Ano-Novo. A primeira delas é o acordo entre os governos brasileiro e francês para a criação de um instituto para estudos científicos e tecnológicos na região (confira notícia integral no Jornal da Ciência). Tão logo ele foi sacramentado, já há desacordos.

A segunda é péssima para todos e descortina o descaso do Brasil em relação aos nossos museus e ao nosso patrimônio material. Quarenta títulos raros (num total de 65 exemplares) foram roubados, em dezembro, do Museu Paraense Emilio Goeldi, em Belém, causando um prejuízo financeiro de R$ 2 milhões. Outros prejuízos com o sumiço de preciosidades dos séculos 17, 18 e 19 são, obviamente, incalculáveis.

A biblioteca é referência internacional nos assuntos que dizem respeito não só à Amazônia, mas às américas central e do sul nas áreas de Antropologia, Arqueologia, Botânica, Ecologia, Lingüística e Zoologia. Entre as obras roubadas estão escritos de naturalistas, como Guilherme Piso, Johann Emmanuel Pohl e Johann Baptist von Spix, que descreveram - cada qual a seu modo e de acordo com os critérios de seu tempo - a natureza e as gentes do Brasil. Também está na lista uma monografia de Charles Darwin sobre os Cirripedia, considerado o primeiro estudo sobre esta sub-classe de moluscos marinhos à qual pertencem os (deliciosos) percebes.

Desenho de Ernst Haeckel, de 1904, detalhando os Cirripedia

Outra obra maravilhosa, do século 17, também desapareceu. Seu autor, a naturalista holandesa Maria Sybilla Marien (1647-1717), era uma exímia artista (como muitos naturalistas do século 19, pois fazia parte das atribuições desse tipo de "cientista multidisciplinar"). É só espiar as ilustrações de sua obra sobre insetos e plantas — muitos deles identificados por ela -, que estudou no Suriname, então uma colônia holandesa.

Foto Museu Emilio Goeldi

Pena, pena, pena.

sábado, 3 de janeiro de 2009

Os melhores do ano - 2ª edição


Na segunda edição de "Seja Bemvinho melhores do ano (pelo menos prá mim)", decidi apenas eleger uma seleção dos livros de gastronomia de que mais gostei em 2008 (restaurantes, vinhos e outras delícias que visitei ou provei em 2008 e sobre os quais ainda não postei entrarão sorrateiramente em 2009...!).
O impulso veio por meio da coluna Estante, que escrevo mensalmente na revista menu, e de tantas outras leituras que, pela viés mais acadêmico, pela especificidade do tema ou mesmo pela falta de espaço numa revista impressa, não couberam lá. Vamos a ela (ah: 1. a relação abaixo não está necessariamente em ordem de preferência, mas apenas de lembrança; 2. pode ser que eu continue em posts posteriores, porque a empolgação literária acaba consumindo um tempão...).

1. Cozinha modelo - João Luiz Máximo da Silva (Edusp)

Um dos melhores lançamentos do ano, sério e bem escrito. O livro é resultado da tese de mestrado de João Luiz em história pela USP, e trata do impacto da eletricidade e do gás na casa paulistana - particularmente a cozinha - entre 1870 e 1930. O autor percorre uma vasta quantidade de documentos e escolhe bem suas obras de apoio, além de objetos (referidos academicamente como cultura material) para compor um quadro histórico preciso, bastante delimitado e muito interessante sobre as modificações ocorridas no ambiente doméstico na virada do século 19 para o século 20 (período que se inicia com a expansão cafeeira e as profundas modificações por ela produzidas no até então povoado), fruto das transformações tecnológicas com a introdução dessas novas fontes de energia. Entre vários aspectos, João Luiz aborda os sentimentos contraditórios provocados pela chegada do gás (crença em seus poderes curativos e terapêuticos ao lado do medo de intoxicação); as novas formas de organizar o tempo e o espaço doméstico, com a mecanização da cozinha e a racionalização de seu espaço (não mais uma cozinha bandeirista, mas um espaço menor e integrado à casa, com fornecimento constante de combustível, diferentemente da finitude da lenha ou do carvão); o ideal de civilização e progresso embutido na utilização dessas novas fontes de energia (criadas a partir de capital estrangeiro); a propaganda higienista focada também no espaço da cozinha; os novos métodos de cozinhar, com um controle mais preciso da fonte de calor, e os novos padrões de nutrição. Imprescindível.

2. História do café - Ana Luiza Martins (Contexto)



3. O mundo é o que você come - Barbara Kingsolver (Nova Fronteira)
A narrativa de Bárbara Kingsolver em O mundo é o que você come flui bem melhor do que as águas que chegam do México à desértica e populosa Tucson, no Arizona.“Nós a bebemos, enchemos máquinas de café e preparamos sucos com um fluido que faria um girino ficar enjoado”, crava a jornalista e bióloga norte-americana. Por isso, parte com a família em busca de uma alimentação mais digna. Misto de memória e reportagem, o livro discute nossa conduta alimentar atual a partir da saga dos Kingsolver, que por um ano viveram sustentavelmente numa fazenda na Virgínia. Intercalando textos do marido Steven Hopp e da filha Camille, a autora não pretende ensinar a plantar batatas. Ao contrário, nos lembra que há milhares de pessoas como o personagem Malcolm, para quem as cenouras não brotam, mas são enfiadas na terra.

4. Com unhas, dentes e cuca - Alex Atala e Carlos Alberto Dória (Senac)