terça-feira, 25 de maio de 2010

Virada Beneficente (com vinhos chilenos)


O terremoto que atingiu o Chile em 27 de fevereiro deixou um saldo enorme de vítimas. O flyer abaixo comunica um evento em São Paulo, com duração de 53 horas ininterruptas, para angariar fundos às vitimas do terremoto. Um dos principais patrocinadores é a gigante Concha y Toro. Assim, entre as tantas atividades, a partir do dia 28 de maio virá a São Paulo o enólogo da Don Melchor, Enrique Tirado, que participará de algumas jornadas, como degustação de vinhos e, também, comandando um leilão de 1 garrafão de Don Melchor de 9 litros, da safra 2003. Os detalhes estão no site da Virada Beneficente. Vale lembrar, também, que o terremoto acabou com vinhedos e destruíu vinícolas, prejudicando muitos produtores de vinhos do país. Muitas notícias tentaram minimizar os estragos, que parecem ter sido maiores. Quando formos comprar vinhos, então, que tal escolher entre tintos e brancos chilenos?

sábado, 22 de maio de 2010

O dia em que o barreado encontrou o vinho


A coisa começou numa conversa à toa. Numa degustação de vinhos portugueses, numa mesa cheia de especialistas, eu disse que meu prato brasileiro preferido era o barreado (cozido de carne paranaense, guarnecido com farinha de mandioca e banana-da-terra ou nanica grelhada ou crua). Alguém levantou a bola: e barreado, combina com que vinho? Depois de algumas considerações, o veredicto foi: vamos provar prá ver. E foi assim que, no dia 20 de maio, essa turma reuniu-se no restaurante Tordesilhas para fazer "a prova do barreado".


Estavam lá (em sentido horário na foto),Ivo Ribeiro (sócio do Tordesilhas), Agilson Gavioli (enófilo e idealizador do encontro de vinhos “Vamos à Montanha”, em Campos do Jordão), Walter Tommazi (da Free Time Magazine), Álvaro Cézar Galvão (blog Divino Guia), João Filipe Clemente (blog Falando de Vinhos), Jeriel Costa (Blog do Jeriel), e Beto Duarte (blog Papo de Vinho). O que eu estava fazendo lá (e tirando a foto)? Bom, eu dei a ideia e organizei o encontro - e, com isso, tive a oportunidade de aprender sobre harmonização com essas feras. Um ratinho entre leões.

Cada um de nós levou um vinho (os mais empolgados, mais de um), cuja lista está abaixo, e o restaurante preparou o prato (cuja história está no final deste post).

- Muros de Melgaço (Anselmo Mendes, Minho, Portugal)
- Terranoble Pinot Noir Reserva 2008 (Terranoble, Valle de Casablanca, Chile)
- Além-Mar (Villagio Grando, Santa Catarina, Brasil)
- Lídio Carraro Grande Vindimia Merlot 2004 (Lídio Carraro, Encruzilhada do Sul, Brasil)
- Albariño Pazo Pondal 2006 (Pazo Pondal, Rías Baixas, Espanha)
- Dadivas Pinot Noir (Lídio Carraro, Encruzilhada do Sul, Brasil)
- Barbera d'Asti 2006 (Michele Chiarlo, Piemonte, Itália)
- Pizzato Reserva Merlot 2005 (Pizzato, Vale dos Vinhedos, Brasil)
- Don Laurindo Reserva Estilo 2008 (Don Laurindo, Vale dos Vinhedos, Brasil)
- Domínio Vicari Riesling 2008 (Domínio Vicari, Vale dos Vinhedos, Brasil)
- Valllontano Tannat 2005 (Vallontano, Vale dos Vinhedos, Brasil)
- Brazilian Soul (Aurora, Serra Gaúcha, Brasil)
- Chardonnay Utopia 2009 (Quinta de Santa Maria, São Joaquim, Brasil)


Antes da grande prova, o restaurante preparou petiscos (pasteizinhos de carne e de queijo), que foram degustados com o penúltimo vinho da lista (um espumante demi-sec) e uma deliciosa abobrinha (de pescoço) marinada em vinagre, azeite, pimenta-cheirosa do Pará e dill (que combinamos com o Chardonnay, o último vinho da lista, que não passou por barrica).


Vale também alguns comentários antes de dar o resultado final da prova. Em primeiro lugar, harmonização é um dos temas mais controversos e difícieis no mundo do vinho. Harmonizações clássicas, como foie gras e Sauternes, já estão consagradas e nem levantam discussões, o que não acontece com outras situações, como a que envolve pratos brasileiros - ainda há muito a explorar sobre os casamentos entre nossa comida e os vinhos, e esta é a razão principal pela qual todos estavam lá reunidos. É um caminho longo e instigante, e sem preconceitos: há quem ainda considere que os vinhos brasileiros não merecem muito crédito (o que todos neste encontro discordam vivamente, inclusive eu, que pude, recentemente, rever meus conceitos, formulados em cima de pouca experiência, sobre a produção nacional).

A seleção de vinhos acima mostra bem as intenções do grupo:

1. Tentar promover "casamentos arranjados" - termo que ouvi do sommelier Manoel Beato, creio que cunhado por Joanna Simon, grande especialista britânica em harmonização, que define as harmonizações entre pratos e vinhos de uma mesma região;

2. Combinar o prato com vinhos de outros países, que é uma tendência atual;

3. Optar por rótulos brasileiros menos manjados e conhecidos (e mais difíceis, talvez, de serem bem sucedidos na combinação, o que não aconteceria, talvez, com um Talento, da Salton). Exemplo: O vinho Além-Mar, da Villagio Grando, uma amostra de barrica em garrafa ainda sem etiqueta (será lançado em alguns meses no mercado), feito em São Joaquim (SC), uma das novas apostas em terroirs brasileiros (por motivos como as altas altitudes, que originam vinhos mais complexos). Este é feito com o auxílio do enólogo português Antonio Saramago e parte de sua produção irá para Portugal (daí o nome). Ou o Riesling da Domínio Vicari, de vinhedos de Pinto Bandeira (distrito de Bento Gonçalves), pisado só por mulheres e vinificado na Praia do Rosa, onde fica a vinícola, sem (assim garantem os produtores) SO2 - utilizado como proteção em todos os vinhos, inclusive biodinâmicos.

4. E o mais importante: a intenção de quebrar paradigmas, escolhendo vinhos brancos (como o exemplo acima) para combinar com carne, por exemplo.



Os blogs dos meus companheiros acima linkados são uma ótima fonte para quem quiser saber os detalhes de cada combinação. De minha parte, posso dizer que, mais intuitiva do que tecnicamente, os vinhos que achei que melhor casavam com o barreado foram os mesmos eleitos pelo grupo (com exceção de um). Ganhei meu dia. Eu só segui alguns princípios básicos de harmonização, como o de que o vinho nunca pode se sobrepor ao prato e vice-versa. Nessa linha, por exemplo, o delicado Dádivas transformou-se num suquinho de uva confrontado com o barreado. Pode-se argumentar: é um Pinot Noir, uva delicada para um prato potente como um barreado (eu particularmente, acho o barreado do Tordesilhas de uma delicadeza ímpar). Por outro lado, um dos vencedores foi justamente um Pinot Noir, mais complexo e estruturado, da Terranoble.

Pela quantidade e diversidade de rótulos, a prova foi dividida em quatro baterias: primeiro os tintos de caráter mais leve, depois os brancos, depois os tintos mais potentes e, por fim, os tintos Reserva. O resultado deu branco na cabeça: o vinho mais votado foi o Alvarinho Muros de Melgaço, um dos grandes vinhos verdes de Portugal. Atrás dele, o Pinot Noir chileno. A lista de vinhos acima elenca os cinco primeiros colocados, em ordem de preferência.

Foi uma experiência deliciosa, com um resultado surpreendente. O que significa que, mês que vem, faremos mais uma rodada (o que não rende uma conversa à toa...). Aguardem.

A história do barreado (fornecida pelo Ivo Ribeiro, com pitacos meus)

Barreado é um prato típico do Paraná, especificamente da região de Morretes, uma pequena cidade histórica litorânea, próxima ao porto de Paranaguá, cujo acesso, pela Estrada da Graciosa e a partir de Curitiba, é um dos passeios mais lindos do estado (é este o meu pitaco). A chegada do barreado é atribuída aos açorianos, que povoaram boa parte do Sul do país. sua técnica de cocção, originalmente, é feita em fornos subterrâneos, técnica de preparo utilizada por diversos povos antigos, como os da Polinésia, da África e das Américas.

Os pesquisadores apontam dois processos principais de cozimento subterrâneo. Um deles, mais primitivo (outro pitaco meu: não gosto deste termo, cheio de conotação negativa, mas amplamente usado. prefiro antigo), atribuído aos polinésios e aos índios caiapó e jê de minas Gerais, consiste numa cavidade aberta, aquecida por brasas ou pedras sob fogo, onde o alimento, coberto por folhas ou colocado num recipiente, é cozido pelo calor. O segundo implica em colocar oa comida numa cova aquecida, cobri-la com folhas e terra e acender sobre ela um novo fogo.

O barreado é um prato de preparo demorado - de 12 a 24 horas -, muito comum em datas festivas no início do século passado. Entre elas destacava-se, particularmente, o entrudo (nome dado ao carnaval na época), quando as donas de casa colcoavam a carne para cozinhar numa panela de barro fechada e a enterravam sob uma fogueira. Acabada a farra, o prato estava pronto. O nome barreado vem do fato de que, originalmente, as panelas eram seladas com barro, ou seja, barreadas. Atualmente, o barreado é uma das principais atraçoes turísticas de Morretes, e está presente em todos os restaurantes da cidade. Hoje, é claro, não se cozinha em fornos subterrâneos, mas sobre chapas de ferro sobre uma fonte de calor, e nem se sela a panela com barro, mas com uma mistura de farinha de mandioca e água. Mas seu sabor continua sendo, para mim, inigualável, e o que me traz as melhores lembranças - talvez por isso seja o meu preferido: tão importante quanto o gosto é a memória a ele relacionada - a dos meus 18 anos, um grupo de amigos especiais em torno da mesa, um trajeto até a cidade espetacular, um país imenso por descobrir... De quebra, o prato ainda aquece o corpo e conforta a alma.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Momentos de reflexão (desta vez, não é sobre comida)



Não costumo ler poesia. Agora vejo que deveria fazê-lo sempre. Mas gosto de reflexões, sobre tudo. E de palavras que tocam a alma. Este post, portanto, não é sobre comida, mas sobre palavras. Palavras de uma grande mulher, que deveríamos, de vez em quando, devorar.

Há momentos

Há momentos na vida em que sentimos tanto
a falta de alguém que o que mais queremos
é tirar esta pessoa de nossos sonhos
e abraçá-la.

Sonhe com aquilo que você quiser.
Seja o que você quer ser,
porque você possui apenas uma vida
e nela só se tem uma chance
de fazer aquilo que se quer.

Tenha felicidade bastante para fazê-la doce.
Dificuldades para fazê-la forte.
Tristeza para fazê-la humana.
E esperança suficiente para fazê-la feliz.

As pessoas mais felizes
não têm as melhores coisas.
Elas sabem fazer o melhor
das oportunidades que aparecem
em seus caminhos.

A felicidade aparece para aqueles que choram.
Para aqueles que se machucam.
Para aqueles que buscam e tentam sempre.
E para aqueles que reconhecem
a importância das pessoas que passam por suas vidas.

O futuro mais brilhante
é baseado num passado intensamente vivido.
Você só terá sucesso na vida
quando perdoar os erros
e as decepções do passado.

A vida é curta, mas as emoções que podemos deixar
duram uma eternidade.
A vida não é de se brincar
porque um belo dia se morre.

Clarice Lispector

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Homenagem



Este post é uma pequena homenagem. Acabo de saber que meu querido colega de editora, o dr. Sérgio Paula Santos, faleceu nesta madrugada. Internado há cerca de um mês, ele, que era médico, havia passado por uma cirurgia para retirada de um tumor, e acabou não resistindo. Sérgio era uma figura conhecida no mundo dos vinhos, e um prolífico autor. Escreveu Vinho e cultura, Vinhos, a mesa, o copo , O Vinho e suas circunstâncias e Memórias de adega e cozinha (estes dois últimos, pelo Senac São Paulo), e estava finalizando um novo livro sobre vinhos, que deve ser publicado ainda este ano pela editora. Também foi membro de inúmeras confrarias enogastronômicas, como a Confraria do Vinho do Porto (Portugal), a Fédération Internationale des Journalistes et Écrivains (França) e a Internacional Wine and Food Society (Inglaterra).

Nos encontramos pouco, talvez em três ou quatro ocasiões, sempre em lançamentos de livros. Esta foto, em que ele aparece conversando comigo, foi no lançamento do meu, em 2007. De todas as fotos que foram tiradas naquela noite, é a que eu mais gosto. Nossa conversa era sempre a mesma - em torno de livros de receitas antigos. Dr. Sérgio tinha loucura por eles - e, até onde eu sei, várias destas relíquias em sua biblioteca. Fica registrada aqui minha homenagem, assim como uma de suas últimas colunas (9 de abril), chamada Adega, para o Diário do Comércio, que me foi cedida pela Carolina Bessa, assessora do Senac.