domingo, 29 de março de 2009

Tajine


Tajine de frango com azeitonas

Semanas atrás, fui a um almoço preparado por uma chef marroquina no Pandoro. A chef era Fatéma Hal, autora de livros e divulgadora da cozinha de seu país na França. Tem um restaurante em Paris, o Mansouria, e parece que cozinhou também para o rei do Marrocos. O que mais me interessou, entretanto, é que Fatéma é etnóloga - o que me fez pensar que sua busca pelos sabores e receitas tradicionais e a preocupação em preservar as particularidades das receitas de acordo com as tradições fossem constar, também, no cardápio.

A chef marroquina Fatéma Hal

E o que me espantou foi a riqueza e a potência de sabores nos pratos que concebeu. Estou acostumada a participar de eventos em que chefs estrangeiros (se tomarmos como referência tanto a nossa cidade quanto o Brasil) cozinham. E, muitas vezes, os pratos que fazem tornam-se uma pálida imagem daquilo que realmente podem ser e efetivamente são, confirmando uma sensação cada vez mais freqüente de que muitas cozinhas (num sentido genérico da palavra) não viajam bem. Mas estes pratos profundos que comi, de uma culinária mais tradicional, deixaram tal sensação de lado naquele dia.

Cuscuz marroquino com uvas passas

Fiquei particularmente extasiada com os tajines, em várias versões: tajines de cordeiro com feijão branco, tajine de frango com amêndoas e tâmaras, tajine de frango com azeitonas e cítricos e uma incrível mourozia, receita que data do século 17. (Outros pratos: salada de favas, salada de tomate e pimentões, um delicado purê de beringelas e uma saborosa confiture de tomate, cuscuz com uvas passas e cebolas caramelizadas, um delicado creme feito com água-de-rosas).

Um delicioso cordeiro

Confiture de tomate, preferida de Alain Ducasse

Tajines são pratos originários da África do Norte. São preparados numa panela especial, própria para tajine, feita de barro e com uma tampa em formato de cone, que retém o calor do preparado, que é cozido lentamente.


Abaixo, segue a receita do Eric Heneault (e as preciosas dicas), meu amigo francês que cozinha tão bem quanto faz as trilhas sonoras das minhas festas de aniversário. Para quem quiser fazê-la, ele avisa: as panelas de tajine podem ser encontradas por aqui, mas algumas não podem ter contato direto com a boca do fogão à gás. Por isso, devem ser colocadas sobre uma placa, ou ir ao forno. Na sua receita, Eric resolveu dar um toque brasileiro, escolhendo legumes típicos daqui, como a batata-doce e o maxixe. Também juntou limão conservado em salmoura que, segundo ele, dá um gosto especial ao prato, diferente do limão fresco.

E ele avisa: "O tajine costuma ser servido sozinho, mas pode ser acompanhado de sêmola cozida ou até de arroz. Para beber, aconselho um vinho rosé seco bem gelado". E mais: "A comida da África do Norte costuma ser bastante apimentada, e eles utilizam um pó (ou pasta) chamado harissa (originário da Tunísia), composto de pimenta-malagueta com alho e coentro ou cominho". Não cheguei a comer o prato, mas dada a minha experiência com as comidas do Eric, assino embaixo. Em tempo: ele também tem acaba de lançar um blog, sobre música e receitas. Bon appétit!

Um dos salões do Pandoro

Tajine à brasileira
rendimento 6 pessoas

Ingredientes
1 pernil de cordeiro cortado em pedaços
6 coxinhas de asa de frango
3 tomates sem pele nem sementes
2 batatas-doces
600 g de maxixe
200 g de grão-de-bico
½ pimentão amarelo
½ pimentão vermelho
100 g de uva-passa preta
1 limão-siciliano em salmoura
3 dentes de alho
2 cebolas
harissa em pó ou pasta (ou 1 pimenta-malagueta macerada)
pimenta-do-reino o quanto baste
páprica a gosto
cominho a gosto
canela em pó a gosto
mostarda em grãos a gosto
coentro em grãos a gosto
½ maço de coentro fresco a gosto
hortelã, salsa e cebola desidratadas a gosto
alho em pó a gosto
óleo e azeite
sal a gosto
água

Preparo

Deixe o grão-de-bico de molho na véspera. Retire a casca no dia seguinte e reserve. Numa tigela misture, em proporções iguais, a cebola desidratada, o cominho e o alho em pó, a páprica e a canela, o coentro e a mostarda em grãos, a hortelã e a salsa desidratadas, de forma a obter aproximadamente uma colher de sopa de temperos.
Ferva os tomates em água para retirar a pele. Numa frigideira, doure no óleo os pedaços de cordeiro e de frango e reserve. Descasque e pique as cebolas e o alho.
Pique a pimenta-malagueta. Corte grosseiramente os tomates em pedaços e retire as sementes. Descasque e corte as batatas-doces em cubos. Corte os maxixes em dois.
Corte os pimentões em rodelas finas. Corte o limão-siciliano em 8 pedaços com a casca (4 gomos cortados em dois).

Na panela para tajine, refogue com o azeite, em fogo brando, a cebola e o alho picadinho (e a pimenta-malagueta). Acrescente os tomates, os cubos de batata-doce e os pedaços de cordeiro e de frango. Coloque sal e pimenta-do-reino a gosto. Acrescente a mistura de temperos e ½ colher (chá) de harissa. Junte o grão-de-bico, os maxixes e o limão-siciliano. Acrescente a água e mexa devagar com uma colher, de forma que todos os ingredientes e temperos fiquem molhados.

Tampe e deixar cozinhar em fogo brando por uma hora, verificando de vez em quando o cozimento para que não resseque nem grude no fundo. Acrescente água aos poucos, se necessário. Junte as uvas passas, cubra com as fatias de pimentão e deixe cozinhar por mais 30 minutos. Na hora de servir, acrescente as folhas frescas de coentro.

Dicas: ao colocar os ingredientes na panela, disponha-os cuidadosamente, sobrepondo-os, se necessário. Evite mexê-los muito. O ideal é ir acomodando todos com uma colher em cada mão, delicadamente, para que tenham uma boa apresentação à mesa. A quantidade de água durante o cozimento também é muito importante. Deve ser suficiente para deixar os ingredientes macios e com certo caldo, sem tornar o prato um ensopado.

sexta-feira, 27 de março de 2009

Cozinha materialista



No dia 1º de abril, meu amigo, o sociólogo e ensaísta Carlos Alberto Dória, lança seu novo livro - A culinária materialista - cuja resenha estará na menu deste mês. Em linhas gerais, Dória está interessado no aspecto material da culinária, mais do que em seu significado simbólico, tão ao gosto da Antropologia. Nesse universo de reflexão, a menina dos olhos é a questão que ele convencionou chamar de "a inutilidade das receitas" - ou seja, seu papel questionável enquanto veículo de transmissão de conhecimento culinário.

Em uma recente troca de e-mails, em que eu apresentava a minha breve apreciação do papel das receitas do ponto de vista histórico, ele me respondeu: "as receitas podem ser encaradas de qualquer maneira (do ponto de vista histórico, antropológico etc.). Só que, para COZINHAR, as receitas são ordens de comando, de como processar operações materiais de transformação das matérias-primas". E, nesse sentido, acredita ele, elas têm ajudado muito pouco - e isso, ele garante, numa apreciação dos próprios cozinheiros.

Para entender um pouco mais sobre essa questão, Dória fará um lançamento diferente: em lugar de noite de autógrafos, ele convidou chefs (como Rodrigo Oliveira, do Mocotó) e jornalistas (como Josimar Melo, da Folha) para montarem um debate sobre o tema. O debate será às 19h, na Livraria Cultura. Vale conferir.

Em tempo: o Dória também lançou um blog, o Boca Livre, em que esta e outras reflexões comparecem.

Livraria Cultura (avenida Paulista, 2.073, Conjunto Nacional)

Comida em quadrinhos



Hoje recebi um e-mail de uma jovem artista plástica, apresentando seu trabalho. Ela se chama Anna Anjos, tem 24 anos e ilustrações bem bacanas. A deste post, com referências à comida, foi feita para a Moytoy, um espaço de troca de conhecimento entre "criadores de cultura". Taí a dica. Obrigada pelo contato, Anna, e boa sorte com seu trabalho, que é lindo!

segunda-feira, 23 de março de 2009

Os matinhos comestíveis

Fréderic Jean/revista menu
Antes de sair de férias, fiz uma matéria com a nutricionista Neide Rigo, que tem o incrível blog Come-se. Neide é uma pesquisadora voraz de tudo o que vai à boca - principalmente se tiver gostinho brasileiro e estiver ameaçado de desaparecer. Em suas andanças pelas ruas e pelos mercados, ela encontra matinhos comestíveis crescendo nas calçadas, e ervas deliciosas, valorizadas apenas em banhos para Oxum e congêneres. Mas detalhes, e uma receita fácil de fazer e muito saborosa podem ser conferidos neste link.

domingo, 22 de março de 2009

Anta Bandera

Westlord.com
A newsletter da revista Decanter noticiou esta semana a entrada de um hollywoodiano no mundo dos vinhos: o ator Antonio Banderas. Banderas comprou, recentemente, uma vinícola em Ribera del Duero, região da Espanha famosa por seus tintos potentes. A bodega Anta Natura, da qual Banderas detém 50%, localiza-se na cidade Burgos Villalba de Duero, e foi estabelecida há dez anos. Com a aquisição, passará a se chamar Anta Bandera. A revista diz que fazer vinhos é um sonho antigo do ator espanhol.

Atualmente, a bodega produz 1,5 milhão de garrafas por ano. Um dos rótulos, Anta Natura 2005, ficou muito bem cotada num painel de vinhos da região feito pela publicação. Banderas é, assim, a mais nova celebridade a fazer as vezes de vinhateiro: o cantor Mick Hucknall, da banda Simply Red (famosa nos anos 80), comprou em 2002 uma propriedade da Sicília para produzir "o melhor vinho tinto do mundo". Jim Kerr, do Simple Minds, também tem uma vinícola na região.

Já o cantor Sting escolheu a Toscana e se prepara para lançar, em setembro deste ano, seu primeiro rótulo. Cerca de 30 mil garrafas do vinho, cujo nome ainda não foi divulgado, vão ser vendidas principalmente na Inglaterra e nos Estados Unidos. O vinho, da safra 2007, foi elaborado majoritariamente com a uva Sangiovese, com pitadas de Cabernet e Merlot. Em 1997, o vocalista do The Police comprou uma propriedade a 30 km de Florença, Tenuta Il Palagio, e, alguns anos depois, transformou-a numa fazenda orgânica, produtora de azeite, mel e embutidos de qualidade.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Guia de café



Saiu por estes dias a segunda edição do Guia do barista: da origem do café ao espresso perfeito, do especialista Edgard Bressani, juiz internacional, presidente da Associação Brasileira de Café e Barista e executivo da Ipanema Coffees. O conteúdo foi revisado e ampliado - agora, além de temas como a história do café, processo de cultivo do grão e métodos diferentes de preparo do café, conta com um capítulo que aborda os cafés de qualidade em várias regiões do mundo. Também traz 50 novas receitas de drinques com a bebida. para quem quer se iniciar nesse universo - tão complexo quanto o dos vinhos - é uma obra fundamental para se ter na estante. O guia custa R$ 52 e pode ser adquirido, também, na Café Editora (11) 3586-2233. Em tempo: Bressani também tem um site que vale a pena visitar: www.baristabrasil.com.br.

domingo, 15 de março de 2009

Reflexões sobre o comer



Quero convidar a todos que acessam o Sejabemvinho para uma série de palestras sobre gastronomia que vão acontecer na Escola Wilma Kövesi de Cozinha a partir de abril.
Não são aulas de cozinha em seu sentido clássico, ou seja, ensinar pratos, técnicas e receitas. São reflexões sobre a gastronomia - iniciativas estas que nós, que estudamos o assunto, esperamos que se espalhem pelas escolas de cozinha. A organização é do amigo e sociólogo Carlos Dória, que nos últimos tempos vem movimentando a área e nos agrupando, por assim dizer.
A série de palestras "Quatro lições sobre a cozinha do pensamento e da ação" é dirigida para profissionais da área, estudantes, jornalistas, pesquisadores e para curiosos sobre o assunto - tanto em sua vertente contemporânea quanto em suas raízes históricas. O que posso garantir é que, qualquer que seja o recorte dado ao tema, ele será feito em profundidade. São 4 palestras, com apostilas, às quartas-feiras, das 19h às 22h. Cada aula custa R$ 170 e o pacote completo, R$ 660. Eu também fui convidada para entrar no programa.

Vamos a ele:
No dia 15 de abril, a antropóloga Paula Pinto e Silva apresentará "A cozinha dos antropólogos: a comida, o mito e o rito". Paula publicou, em 2003, seu primeiro livro, Farinha, feijão e carne-seca. Atualmente, ela é professora da ESPM.

No dia 22 de abril é a vez de Arnaldo Lorençato. O crítico da Veja São Paulo há muito faz pesquisas sobre a nossa cozinha. Uma de suas recentes análises pode ser conferida na introducão do livro Moderna cozinha japonesa, da pesquisadora Katarzyna J. Cwiertka, que teve tradução recente no Brasil pelo Senac São Paulo. A palestra de Lorençato versa sobre o assunto na paulicéia: "A revolução paulistana do hashi - A evolução e transformação da culinária japonesa em São Paulo".

No dia 5 de maio, a antropóloga carioca Lívia Barbosa abordará os "Hábitos alimentares nas regiões metropolitanas brasileiras". Ela é especialista em hábitos de consumo e também dá aulas na ESPM.

Por fim, encerrando o ciclo, haverá a minha palestra no dia 13 de maio: "A dietética e a alimentação: clivagens do comer" (bonito nome, heim? Obra do Dória), baseada nas pesquisas que originaram meu livro.
Aguardamos voces por lá!

Escola Wilma Kovesi de Cozinha (rua Cristiano Viana, 224, Pinheiros, 11/3082-9151)