quarta-feira, 4 de novembro de 2009
O cru, o cozido e Lévi-Strauss
Morreu no domingo (1/11), aos 100 anos, o antropólogo e etnólogo francês Claude Lévi-Strauss. A notícia foi divulgada apenas ontem, dia 3/11. Um pouco sobre sua vida e sua contribuição para a Antropologia pode ser lido no boletim da Fapesp. Não sou versada em Lévi-Strauss, cuja leitura, inclusive, não é nada fácil - mas a antropóloga Paula Pinto e Silva é, e usa do estruturalismo, corrente de pensamento de que é personagem central, em sua análise da cozinha brasileira do Brasil colonial. Me parece oportuno, pois, a (re) leitura de seu livro, Farinha, feijão e carne-seca, em que ela toma o nosso sistema alimentar como uma linguagem que expressa dimensões simbólicas do pensamento. Sistema esse construído, para a autora, numa referência ao triângulo culinário do antropólogo francês, que trabalha as relações entre o cru, o cozido e o podre em termos de transformações culturais (cozido) e naturais (o podre). "A reconstituição da lógica em que se baseiam os processos culinários ganhava muito com a abordagem estruturalista", afirma a autora, na obra publicada em 2005 (e que teve origem em sua tese de mestrado), em que toma o cuidado em demarcar as diferenças entre uma análise baseada em mitos e relatos.
Um esforço maior, porém, é ler o próprio autor. Um de seus grandes trabalhos (além de O pensamento selvagem e Tristes trópicos) foi um estudo em quatro volumes chamado Mitologias, elaborado nos anos 60, em que estuda a estrutura dos mitos entre os povos ameríndios - Lévi-Strauss morou no Brasil entre 1935 e 1939, para onde veio como professor visitante da então recém-criada Universidade de São Paulo. No prefácio do primeiro volume da série - O cru e o cozido - vertida para o português pela Cosac & Naify, Beatriz Perrone-Moisés ressalta as dificuldades em se traduzir o autor, pela estreita relação "estrutural" entre a linguagem e o seu conteúdo. Partindo de um mito dos índios Bororo, Lévi-Strauss persegue formas variadas entre diferentes grupos por toda a América, examinando a estrutura sob as relações entre elementos dessas histórias.
Vez por outra, O cru e o cozido é utilizado por aqueles que pensam a gastronomia como referência das relações entre natureza e cultura. Um exemplo foi um esquema "alargado" e gastronômico, proposto por Alex Atala há alguns anos. Nele, Atala soma ao triângulo composto pelo cru (que o chef designou como sabor "natural"), cozido (sabor adocicado) e podre (que resulta em sabores ácidos) a categoria dos tostados (que representa o sabor amargo). Pelos possíveis desdobramentos que uma obra deste porte pode suscitar, vale o esforço de sua leitura.
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3 comentários:
Olá Cris!
Bacana seu blog. Me tornei seguidora. Beijos
Ana Vianna
oi ana,
muito obrigada, seja benvinda!
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