quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

A redonda do Brás

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Sou, por essência, uma pessa saudosista. Neste exato momento, estou fazendo um relatório sobre minha produção bibliográfica em 2009 para a PUC. E, retomando contato com reportagens que publiquei na menu, me deparei com esta, sobre a pizzaria Castelões. É um lugar cheio de história (que percorre boa parte do século 200 e que resiste bravamente às mudanças do cenário gastronômico da cidade numa rua deserta e feia de doer, no Brás.

Me lembrei, então, da tarde chuvosa em que passei entrevistando o simpático senhor Donato, que ganhou, então, minha admiração. Assim, nesse clima passadista (e aproveitando, afinal, para reproduzir aqui um pouco das tantas reportagens que produzi em 2009 e que deixo de postar), copio a reportagem publicada na menu de maio de 2009, ano em que a pizzaria fez 85 primaveras. De quebra, sugiro que aproveitem o começo de ano e o fim das férias para conhecer ou revisitar a casa, que merece todo o nosso apreço, ainda, pela simples, mas deliciosa, redonda.

Numa cidade onde os restaurantes raramente atingem duas décadas, uma pizzaria sobreviver durante 85 anos ininterruptos num bairro completamente fora do circuito gastronômico é, no mínimo, um feito. E, se ele ainda pulsa e serve boa comida, é uma razão digna de celebração. Nascida em uma data imprecisa em 1924, no bairro paulistano do Brás, a Castelões nem sequer tinha nome, mas já conquistara clientes fiéis. Era o time de futebol de várzea que, posteriormente, daria seu nome à casa, uma típica alimentari italiana, em que porções de azeitonas, embutidos e provolone seriam, posteriormente, acompanhadas de pizzas e massas, pelas quais é hoje conhecida.

A alimentari do napolitano Ettori Siniscalchi nasceu num contexto bem diferente daquele em que sobrevive a Castelões atual, comandada pela família Donato desde 1950. “Era uma rua de bom comércio e residências”, lembra João Donato, 75 anos, que trabalhou na casa desde que o pai, o ex-garçom Vicente Donato, adquiriu o negócio de Siniscalchi.

A pequena rua Jairo Góis, entre as movimentadas rua do Gasômetro e avenida Rangel Pestana, é um pálido retrato da época. “Lembro-me de que havia um joalheiro, uma loja de armas, outra de gravuras em bronze e o belo palacete Andreoli”, recorda-se Donato. Hoje, é difícil acreditar que um restaurante com tanta memória da cidade, de seus habitantes e da vida política do país, resista entre casas de maquinários industriais e lojas de atacado.

Mas a Castelões permanece ali, com o mesmo balcão de mármore de Carrara que selou sua fundação, as fotos do time de várzea e de personalidades que ali passaram, as mesmas garrafas de Chianti embaladas em palha e penduradas no teto, e o mesmo cuidado com os ingredientes e o respeito à tradição que são a razão de sua longeva existência — e a promessa de uma futura filial (a casa já teve uma, em 2003, no Itaim).

O orgulho da família, e o maior deleite dos fregueses, concentra-se nas pizzas. O forno, há 70 anos só esfria durante o recesso do fim de ano. “Ele alcança 650ºC, temperatura que nenhum forno na cidade consegue bater”, provoca Donato. Dele, saem as clássicas da casa, como as de calabresa, mussarela, aliche e alho e óleo, as únicas a vigorar no cardápio até a década de 70. “Fomos os primeiros a vender pizza na cidade”, garante Donato, disputando com sua concorrente, a septuagenária Pizzaria Bruno, a origem das redondas em São Paulo.

Pioneiros ou não, o fato é que foram os discos de massa média e bordas altas, com recheios artesanais (fornecidos até hoje pelas mesmas famílias de negociantes) e molho fresco de tomates, que originaram a ampliação da casa antes de ser adquirida pelos Donato. No final de abril, estavam previstas novidades, testadas há dois anos pelo filho de Donato, Fábio. Entre elas, a pizza de funghi porcini fresco, que mandaram importar. Ao pé do forno, ainda assam o frango capão e gratinam algumas massas, como os fusili feitos diariamente por Donato, que resistem há décadas e arrastam famílias e gourmets para as mesas de toalhas quadriculadas da simpática cantina e pizzaria paulistana do Brás.

Um comentário:

Unknown disse...

Cris,

Ótimo post, é sempre muito interessante estas histórias sobre gastronomia e Sao Paulo. Tive o imenso prazer e fazer um curso de pizza com o Fabio Donato, uma figura!

abraço,
Evandro
http://confraria2panas.sosblog.com