segunda-feira, 28 de dezembro de 2009


Fim de ano tem dessas vantagens: muitos encontros com amigos, em restaurantes deliciosos. Pois um dos últimos almoços do ano foi no Mocotó, na companhia da Isabela Raposeiras, de Lourdes Hernández e de Felipe Herenberg. E foi exatamente como eu queria: numa ensolarada segunda-feira, atravessamos a cidade e seu trânsito rumo ao bairro da Vila Medeiros que mais parece uma outra cidade, tal como a Freguesia do Ó.

Talvez tenha sido o horário em que chegamos - às 3 da tarde. O fato é que a casa em nada lembrava o movimento quase insano do domingo. Uma excelente caipirinha de caju abriu os trabalhos, que duraram até às 18h. Não pretendo fazer nenhum eleição dos melhores este ano. Mas o jovem Rodrigo Oliveira é um dos mais promissores cozinheiros desta nova geração e seu restaurante, na minhas opinião, o melhor custo-benefício da cidade.

Sempre penso no Mocotó como um lugar para se descobrir aos poucos, como se ele tivesse "camadas" de sabores. Primeiro, provam-se os pratos de sabores mais fáceis - bolinho de tapioca com queijo-de-coalho, o glorioso escondidinho de carne-seca (um clássico da casa), o delicado baião-de-dois. A musse de chocolate com cachaça é obrigatória na primeira visita, assim como o torresminho, com pedaços absolutamente simétricos e crocantes.

Depois, vale penetrar um pouco mais nos sabores sertanejos. Seu atolado de bode é impressionantemente macio, e a mocofava (caldo de mocotó com favada), de um sabor marcante. O pudim de tapioca com calda de coco queimado é outra ótima pedida.

Depois de uma certa intimidade com o cardápio - o que inclui provar ainda a paleta de cordeiro com legumes assados em molho de melado e acompanhada de farinha-d'água, e a carne-de-sol com alho assado, pimenta biquinho e chips de mandioca -, é hora de encarar o caldo de mocotó e uma d-e-l-i-c-i-o-s-a dobradinha!

Depois de um contato maior com a cozinha mexicana, Rodrigo incluiu, certa vez, o chile piquín - bastante usado na borda de um copinho de tequila - sobre uma fatia de abacaxi, acompanhamento da suculenta costelinha de porco confitada. Quem sabe em 2010, além da reforma por que passa cozinha para abrigar novos equipamentos, não vejamos por lá algumas opções de mezcal, a típica bebida mexicana que deve chegar em breve ao país?

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Na areia da praia



Depois de sala de cinema com vinho em taça, agora é a vez de espumante servido na areia da praia. O grupo Miolo resolveu lançar moda neste verão e concebeu um carrinho climatizado - destes do tipo que carrega piucolé - para circular com seus espumantes nas principais praias de Florianópolis. Serão servidos os espumantes Brut e Moscatel da linha Terranova, em garrafas de 250 ml, ao preço de R$ 10. Elas também serão distribuídas em quiosques da beira da praia do litoral norte gaúcho, de Tramandaí a Torres. A Miolo acredita que venderá, assim, 250 mil garrafas entre janeiro e fevereiro.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Estante de Natal



Para mim, o melhor presente de Natal é livro - quase sempre, de comida. Nesta resenha, publicada na revista menu de novembro e dezembro, avalio seis livros recentes - e há uma batelada deles nos últimos meses, notadamente produzidos pela editora Senac, que há algum tempo tomou a liderança deste tipo de publicação.Espero que ajude na escolha do presente - para quem gosta de devorá-los como eu.

Reflexões sobre cozinha
O historiador italiano Massimo Montanari é uma das maiores autoridades mundiais em estudos sobre alimentação no medievo. O co-organizador do já clássico História da alimentação (editora Estação Liberdade, 1998) comanda, também a compilação O mundo na cozinha - História, identidades, trocas, publicado em 2002 e que acaba de ganhar tradução para o português pela Senac-São Paulo. Seu subtítulo indica as linhas de análise adotadas por acadêmicos importantes de diversos países. Françoise Sabban, por exemplo, descortina um tema ainda pouco estudado — a cozinha chinesa imperial (sua época de estudo é o século 14), enquanto o já falecido Jean-Louis Flandrin, o outro organizador de Historia da alimentação e referência em estudos sobre a cozinha francesa, discorre sobre a moderna cozinha europeia. Outros artigos, como os que giram em torno da cozinha das Américas, da herança islâmica nos pratos da Catalunha e da cozinha bolonhesa (este, preparado por Montanari), fazem do livro obra obrigatória para reflexões sobre o presente e o futuro da gastronomia.

O mundo na cozinha: História, identidades, trocas — Massimo Montanari (org.) — Senac São Paulo (262 págs.) - R$ 45


Doces receitas
O volume Confeitaria, da coleção Cozinha passo a passo, da editora Larousse, chama a atenção pela bonita diagramação e pelas fotos que ilustram detalhadamente as 70 receitas doces que o compõem. Traduzida do francês – o título original é Mon cours de cuisine -, o livro da confeiteira Marianne Magnier-Moreno traz receitas clássicas francesas e britânicas, como as de creme inglês, creme chantilly, carolinas, mil folhas, bolo de reis, cheesecake e muffins. Embora deva-se sempre levar em conta que livros de receitas estrangeiros contemplam ingredientes cujas qualidades nem sempre são as mesmas no país para o qual foi traduzido, a o detalhamento das receitas, com fotos de boa qualidade e que cobrem as principais etapas de sua elaboração, pode compensar eventuais diferenças.

Confeitaria: 70 receitas ilustradas passo a passo - Marianne Magnier-Moreno - Larousse do Brasil (256 págs.) – R$ 84


Quitutes da uma poeta
Além de consagrada poeta, Cora Coralina (1889-1985) foi também uma grande doceira. Nascida em Goiás Velho — ex-capital do estado goiano e cidade conhecida pelos doces que produz —, Cora preparava os raros alfenins (delicado doce feito de açúcar puxado, que remonta à Idade Média) doces como o de figo verde e o de mamão vermelho, bolos como o de araruta e licores, cujas receitas são contempladas aqui. Mas, mais do que um livro de receitas, a publicação faz uma homenagem à poeta e contista, ao retratar sua lida nos tachos de cobre e reproduzir algumas poesias singelas que fez sobre sua terra e sua gente, bem como as imagens da Velha Casa da Ponte, construção do século XVIII erguida sobre o rio Vermelho, que atualmente funciona como um museu da grande poeta brasileira.

Cora Coralina, doceira e poeta - Global Editora (114 págs.) – R$ 119


Profissão: cozinheiro
Mesmo com a profusão de escolas de gastronomia pelo país, o Brasil dispõe de pouquíssimas obras técnicas, em português, que auxiliem na formação de cozinheiros profissionais. Assim, seria bastante esperada uma tradução de Chef profissional, um calhamaço de 1.200 páginas concebido pelo Culinary Institute of America (CIA), importante escola de gastronomia norteamericana. Mas volume não necessariamente significa conteúdo, e no afã de cobrir vários âmbitos, sacrifica em profundidade e detalhamento as técnicas e preparos culinários em si. Assim, na seção de identificação de ingredientes, a obra ganha pontos ao tratar e ilustrar bem os cortes de carnes e variedades de peixes, mas pouco acrescenta com relação a frutas e massas. E, embora seja uma edição atualizada (a oitava), nada fala sobre novos equipamentos, produtos ou técnicas de cocção – como o cozimento a vácuo que, aliás, é aplicado na França desde a década de 1970. Afinal, outras técnicas e concepções culinárias estão na ordem do dia, inclusive nos Estados Unidos – uma referência bastante clara na condução da obra, particularmente na seleção das receitas.

Chef profissional – CIA (Culinary Institute of America) - Senac Editoras (1236 págs.) – R$ 185

Ciência na cozinha
Uma folheada rápida em Cientista na cozinha, escrita por pesquisadores argentinos para a Coleção Ciência que Ladra, traduzida pela Civilização Brasileira, remete imediatamente ao químico francês Hervé This, que cunhou ao lado do físico húngaro Nicholas Kurti, no final dos anos 1980, o termo gastronomia molecular para se referir aos processos químico-físicos das operações culinárias. Mais simples, a obra argentina limita-se a explicar suscintamente questões que Hervé This destrincha e detalha em intermináveis pesquisas. Dividido como um cardápio, o livro desvenda “misteriosas” reações, como a fermentação do pão, a cocção de um ovo ou o preparo da maionese, usando repetida e impropriamente (como fazem aliás, quase todos os que relacionam ciência e cozinha) o termo alquimista para se referir ao cozinheiro, “mago” dessas operações. Ao fim e ao cabo, porém, oferece conhecimentos sobre Química, com exemplos mais palatáveis do que os oferecidos nas escolas.

O cozinheiro cientista – quando a ciência se mete na cozinha - Diego Golombek e Pablo J. Schwarzbaum – Civilização Brasileira (160 págs.) - R$ 28, na Livraria Cultura

Bolinhos da moda
Febre nos Estados Unidos, os cupcakes viraram moda também na capital paulista, com vários confeiteiros dedicados ao seu preparo. Um prato cheio, portanto, preparar esses pequenos bolinhos, assados em formas de papel e com farta cobertura à base de manteiga, sob a assinatura de Martha Stewart. Em Martha Stewart’s Cupcakes, livro lançado há pouco na América, a prolífica equipe de editores da revista que leva o nome da autora, empresária e apresentadora de TV oferece 175 receitas da guloseima. A bela edição, com fotografia impecável, traz receitas para o dia-a-dia, como cupcakes de cenoura e tiramisù, e para datas especiais, com coberturas caprichadas. No fim da obra, instruções sobre ingredientes, técnicas de preparo e finalização. No Brasil, é indicado para iniciados, pois é preciso, antes de tudo, adaptar ingredientes.

Martha Stewart’s cupcakes – dos editores da revista Martha Stewart Living - Clarkson Potter (352 págs.) – R$ 64, 22, na Livraria Cultura

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Os peixes e a jararaca do anus grande


Fotos Walmir Cardoso
Cuquí, umari, cucura. Cururí, biribá, cupuim. Bacaba, uirapixuna, wacú. Quase nenhum branco sabe, mas essas são frutas da Amazônia profunda, da bacia do Alto Rio Negro, e apenas algumas que constam da lista feita pelos alunos da escola Yupuri, da etnia tukano, para compor seu calendário. Um calendário "estelar dinâmico", na terminologia precisa de quem vem ajudando a montá-lo, o físico e educador matémático Walmir Thomazi Cardoso.

Nesse calendário também surgem jararaca, tatu, escorpião, caranguejo e (o peixe) jacundá, formando um belo exemplo da ligação indissociável entre os fenômenos da terra e dos céus. Os peixes e as frutas do Rio Tiquié (noroeste da Amazônia), onde vivem os índios tukano, são importantes na sua cosmologia e alimentação, aspectos da vida desse povo (e de outras populações indígenas), que não se encontram, de modo algum, dissociados. Há, inclusive, um estudo conduzido pelo ISA que analisa os mitos e conceitos cosmológicos das etnias tuyuka e tukano ligados à origem dos peixes e suas relações com o homem - num mesmo "esforço intercultural" a que se dedicou Cardoso (a convite, aliás, do próprio ISA) e sua proposta de um calendário que recuperasse esse conhecimento.


Os índios tukano tem uma cosmologia bastante sofisticada. As constelações criadas por eles e observadas no céu são parte de um conhecimento que os índios mais velhos passam às crianças nas escolas indígenas - daí o outro sentido do termo dinâmico (além do sentido de mudança dos ciclos), permitindo o relacionamento entre jovens e velhos da comunidade com relação à apreensão tradicional do tempo. Determinada estrela, ao se pôr no horizonte, indica a esses índios fenômenos cíclicos da natureza, como a piracema de determinados peixes e a época de plantio ou de coleta de frutos na mata.

Daí a importância da construção de um calendário tukano, que tanto regula a vida social quanto assegura a sobrevivência desse povo. Esse conhecimento, que não se mede por meses e onde nem a Lua nem os planetas são figuras centrais, não tinha, até então, registros escritos, e estava fadado a desaparecer - a influência não-índia, que se deu a partir do século 19, alterou de modo significativo a medida de passagem do tempo tukano. Assim, explica Cardoso, embora muitos usem relógios e os meses se sucedam com os mesmos nomes que usamos, seu significado e mesmo sua raíz etmológica (como o mês de abril, que no calendário não-índio está associado ao renascimento da vegetação no hemisfério norte) não fazem sentido para os que moram na região amazônica.


Tais explicações tem uma beleza, eu diria, singela. "Cabeças, rabos e corpos de animais, que se configuram como representações do céu tukano, marcam situações meteorológicas razoavelmente definidas entre verões e invernos", explica Cardoso em sua pesquisa. "O nível do rio informa o tipo de peixe e sua abundância, e é uma categoria fundamental na definição do ritmo da passagem do tempo para populações ribeirinhas", continua ele. Os índios tukano vivem à margem do rio, e, para alcançá-los, é preciso 24 horas de viagem de barco (2 de 12 horas cada) desde a cidade de São Gabriel da Cachoeira, porta de entrada para do Rio Negro (e de onde veio a dona Brazi do meu post anterior).


A jararaca dos anus grande

Uma das diversas constelações observadas pelos tukanos é, por exemplo, a da jararaca do anus grande (que é a grande ursa da nossa tradição greco-romana). Quando ela aparece no céu, é sinal de que os peixes sumirão dos rios. Como ela tem um anus grande, a jararaca, ao encostá-lo no rio, permite a entrada de todos os peixes em seu corpo, o que explica o desaparecimento deles dos rios. Sua chegada anuncia uma série de enchentes no Tiquié, que são acompanhadas de uma menor fartura de peixes, a principal fonte de proteína dos ribeirinhos. É nessa mesma época que as jararacas saem de suas tocas à procura de alimento, justificando sua presença nos céus.


Na construção do calendário orientada por Cardoso, os pequenos índios registraram em belos desenhos (eles não concebem a ideia de rascunho) as constelações observadas e registraram por escrito as ocorrências da natureza, combinando conhecimentos tradicionais e aqueles que fazem parte da sua vida atual. São as constelações e seu ocaso que anunciam o momento de uma determinada floração ou a desova de determinado peixe. Estabelecidos as principais constelações para cada época do ano, foram estabelecidos os parâmetros principais que deveriam constar nesse calendário circular: o nível do rio, as flores - flor de aracu, flor de açaí, de pupunha, de maracujá, laranja, jenipapo, caju, jambo, pimenta, bacaba - e os frutos, como os que forma listados no começo deste post. A relação de frutos é grande, como a de flores também, e muitos exemplares foram deixados de lado por falta de correspondentes em língua portuguesa (a primeira foto deste post é de alunos Tuyuka, que também fizeram uma oficina com Cardoso).


A ideia de que a Amazônia é um grande e verde bloco de riquezas alimentares também é enganosa. Cardoso reforça que a Bacia do Rio Negro é uma das mais pobres da Amazônia e estudiosos tem mostrado como os povos indígenas desta região desenvolveram formas sofisticadas de adaptação, inclusive alimentar, para driblar a terra ácida e a pobreza das águas dos rios. Outros "círculos" do calendário incluem os peixes que sobrem o rio (numa determinada ordem), seguido dos animais que sobem o rio - inclusive, o curupira.


Está ficando comprido, eu sei. Deixo para falar no próximo post sobre os dabukuri, os rituais alimentares dos tukano.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Enquanto isso... cogumelos!


O próximo post sobre alimentação indígena está saindo do forno! Enquanto isso, algumas belas imagens da série "livros históricos". Esses lindos cogumelos são da obra Histoire naturelle des champignons comestibles et venéneux, de G. Sigard (1883).













quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

As formigas da Dona Brazi e as mulheres baniwa


Manjar de tapioca com formigas no mel de abelha mandaçaia

Com 500 anos de atraso, como gosta de dizer um bom amigo (de garfo e de fogão), a cozinha indígena amazônica chega a São Paulo. Dona Brazi, a índia Baré-cozinheira de São Gabriel da Cachoeira, “descoberta” por Alex Atala, pintou, bordou e, claro, cozinhou em São Paulo na última semana. Depois de encantar o público com seu bom humor em palestra na Livraria Cultura no domingo (alguns momentos foram twitados por mim), Dona Brazi cozinhou no restaurante Tordesilhas na noite de terça-feira. Blogueiros e jornalistas que lá estiveram deram suas impressões sobre o jantar, preparado em conjunto com Mara Salles.

Mara Salles, dona Brazi e Hugo Delgado, do restaurante Obá

Esplêndidos, com ingredientes (pimentas) e preparados (peixe moqueado) trazidos por Josefa Gonçalves de Andrade (este é seu nome) e a sensibilidade e expertise de Mara, os pratos formaram uma combinação harmoniosa da vivência das duas cozinheiras.


Chibé da Mara – água gelada, farinha d’água, cebola, ervas amazônicas (chicória e coentro) e cumari-do-pará

Mas quem provou, como eu, as crocantes formigas – a grande sensação da noite –, o tucupi preto e o chibé (caldo de farinha-d’água e água fresca) apenas espiou pela fresta o complexo universo culinário dos índios da região. Para além de suas qualidades gastronômicas, a tradição alimentar das etnias que habitam o Alto Rio Negro, onde fica a São Gabriel de dona Brazi, é parte integrante de sistemas cosmológicos e sociais complexos, retratados recentemente em dois projetos importantes: um organizado pela pesquisadoras Luiza Garnelo e Gilda Barreto Baré, que originou o livro Comidas tradicionais indígenas do Alto Rio Negro, e outro desenvolvido pelo físico e educador matemático Walmir Thomazi Cardozo, que envolve o estudo das constelações dos índios tukano, uma das diversas etnias locais – entre as tantas, há desana, kubeo, curupaco, baré, baniwa, arapasso... Para não engordar mais o caldo das impressões sensoriais dos pratos já comentados por meus colegas, prefiro rechear meus próximos posts com aquilo que andei lendo sobre esses significados mais profundos, que não se alcança apenas comendo (maravilhosamente, é bom frisar) numa mesa de restaurante.

Salada de cubiu, fruta usada tanto em doces quanto em salgados

A origem do livro citado (que oferece um pouco destas relações e mais de 80 receitas) vem da preocupação das associações de mulheres indígenas de São Gabriel com a substituição das comidas tradicionais por alimentos de baixo valor nutricional, os altos preços que os produtos industrializados alcançam por lá e a mudança cultural provocada por essas transformações, como o abandono dos rituais, que exigem comidas elaboradas especialmente para as diferentes ocasiões. Muitas mulheres jovens de São Gabriel as desconhecem – embora ainda exista uma forte conexão entre as populações das comunidades de origem, onde a vida social é baseada nas relações de troca e reciprocidade dentro das redes de parentesco, e a urbana, onde o associativismo feminino (em torno do artesanato, por exemplo), se configura como fundamental.

Quinhapira de piraíba, peixe abundante na região. A quinhapira é uma caldeirada de peixe com pimentas frescas e tucupi. Foi um dos melhores pratos da noite

Segundo as pesquisadoras, a culinária nas aldeias baniwa foi uma das dimensões da vida social que menos sofreu com os contatos inter-étnicos. Exceção feita aos utensílios e à introdução do sal e do açúcar – de especial interesse é a presença de panelas de alumínio, que, sob o fogão a lenha, escurecem e custam a ficar bem limpas: as mulheres, então, usam-nas para o preparo das comidas, que são transferidas e servidas em “panelas de salão”, perfeitamente areadas, que não foram ao fogo.

Bochecha de queixada, cuscuz de farinha ovinha e legumes. O cuscuz era a cara da Mara

Na cultura baniwa, as pimentas são um componente essencial na transformação das caças em alimentos seguros. Ela “cozinha” a carne de bichos, cuja presença de garras e outros atributos indica sua agressividade e o leva a ser enquadrado como perigoso à saúde, e os torna inofensivos para o consumo, garantindo a saúde. Essa lógica de evitar a periculosidade da comida também se aplica a preparos como o moqueado e o cozido. Nas receitas do livro, surgem algumas delas, de nomes dengosos, como jacitara, urubuquinha, uirauaçú puampé, curucuriquinha.

A jiquitaia (abaixo), preparada por todas as mulheres indígenas do Alto Rio Negro, são pimentas secas por até 5 dias ao sol e, posteriormente, sobre o fogão, para secarem com o calor dele desprendido. Depois são moídas até virarem pó.

Beiju (curadá) de Dona Brazi com manteiga de tucumã e jiquitaia

Os beijus tem elaboração longa e trabalhosa, são consumidos em quase todas as refeições e ganham sabores variados (aliados ao ácido característico, que pudemos conferir no glorioso jantar) dependendo do que se juntar a eles: castanhas, goma de tapioca, formigas piladas – que deve ser um importante modificador de textura, pois confere uma crocância marcante nos pratos em que aparece. Dona Brazi, que já é cozinheira de fama, costumava coletá-las com pau de arumã. Agora, diz que tem “fornecedor”. Ela diz que só valem as formigas “ardosas”, como a saúva. “A maniwara não tem sabor, nem cheiro”, garante ela. Depois de “acalmadas” na água fervente com sal, as formigas são comidas inteiras – os índios baré, como dona Brazi, comem apenas a cabeça, desprezando o corpo. Nas receitas das mulheres baniwa, elas aparecem no tucupi preto, muito usado nos cozidos de peixe (preto não por causa das formigas, mas porque o líquido, extraído da mandioca brava, cozinha até que ganhe cor escura). Achei que elas ficaram deliciosas, ou melhor, bem crocantes no manjar de tapioca – muitos comentaram, porém, que as perninhas picavam muito o céu da boca.

Deixo com vocês a imagem das formiguinhas na boca. Amanhã tem mais comida indígena por aqui.

Traíra moqueada com caruru e vinagrete de tucupi preto com formigas


Sorvete de cupuaçu com banana-ouro assada: uma das duas deliciosas sobremesas que fecharam a noite

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Julia Child, Bassoleil e o boeuf bourguignon



Sexta-feira fui assitir ao delicioso Julie & Julia, filme que comentei aqui no começo do ano. Imperdível, Meryl Streep está esplêndida com Julia Child, e, ao lado de This is it e Deixe ela entrar, completa a trilogia dos meus preferidos do ano (para deixar claro, a minha seleção, baseada nos poucos filmes que vi).

Vários blogs comentam o filme: Roberta Malta foi no Julia Cocina conferir o cardápio inspirado na fita (como diz minha avó), e Bichos dá dicas de restaurantes que servem pratos contemplados na película. Eu só faço dois avisos aos navegantes: 1) comam alguma coisinha - uma empanada, uma salada de frutas, um iogurte, o que for - antes de entrar na sala de cinema; 2) se a ideia for sair para jantar "à francesa", evitem a sessão das 22h. Louca para devorar um boeuf bourguignon, liguei para vários restaurantes na saída da sessão, como o Ici Bistrô, cujas cozinhas já estavam fechando. O melhor é levar um guia de restaurantes embaixo do braço, como o do Josimar Melo, que lista os que servem depois da meia-noite.

A solução foi ir para um bar que serve boa comida, o Astor. O sanduíche de pastrami estava excelente, e de salmão defumado também. Só pecou no pavê de chocolate, doce demais.

Segue a receita que o chef Emmanuel Bassoleil costuma preparar, e que está no livro Os sabores da Borgonha:

Boeuf bourguignon
Emmanuel Bassoleil

Ingredientes

Carne
1 kg de carne de músculo, coxão mole ou alcatra
sal e pimenta-do-reino preta
30 g de farinha de trigo
30 ml de óleo de milho
1 litro de caldo de carne
1 garrafa de vinho tinto (Borgonha)
100 g de cenoura em cubos
100 g de cebola em cubos
2 dentes de alho picados
1 bouquet garni
1 colheres (sopa) de extrato de tomate
2 colheres (sopa) de salsinha picada para decorar
4 torradas de alho para decorar

Guarnição bourguignonne
250 g de cogumelos frescos cozidos
150 g de cebolinhas miúdas
2 colheres (sopa) de açúcar
150 g de bacon em cubos
30 g de manteiga

Preparo

Limpe a peça de carne, retirando os nervos e a gordura. Corte em cubos de 50 g a 60 g cada. Tempere com sal e pimenta-do-reino preta. Coloque o óleo em uma panela grande e leve ao fogo. Quando ferver, doure a carne.

Junte a cebola, a cenoura e o alho e refogue mais um pouco. Polvilhe a farinha e deixe cozinhar em fogo baixo por mais 5 minutos. Acrescente o extrato de tomate, o vinho tinto e o bouquet garni. Cozinhe por mais 10 minutos para retirar a acidez do molho.

Adicione o caldo de carne, tampe a panela e deixe cozinhar por 2 horas, em fogo baixo, mexendo de fez em quando. Quando a carne estiver cozida, separe os cubos de carne e o bouquet garni. Passe o molho pela peneira. Leve o molho de volta à panela e junte os cubos de carne.

Guarnição bourguignonne
Descasque as cebolinhas. Coloque-as em uma panela rasa com o açúcar e metade da manteiga. Cubra com água e deixe cozinhar até que a água evapore e as cebolinhas fiquem caramelizadas. Reserve. Em uma frigideira, doure o bacon na manteiga restante. Acrescente os cogumelos frescos e refogue por alguns minutos. Junte as cebolinhas e retire do fogo.

Montagem

Distribua o boeuf bourguignon em pratos individuais. Cubra com a guarnição e decore com torradas com alho e salsinha picada. Sirva acompanhado de batatas cozidas ou talharim fresco.

Rendimento:
5 porções

sábado, 28 de novembro de 2009

Comidas indígenas em cena



Dona Brazi, cozinheira de terras indígenas de São Gabriel da Cachoeira e que saiu do anonimato no evento do caderno Paladar, está em São Paulo para um encontro na Livraria Cultura (como parte da 2ª edição do evento Vira Cultura), amanhã, dia 29, a partir das 17h.

Além dessa conversa, intitulada "Nas fronteiras da culinária - Índios e brancos em torno de panelas" e que trará Carlos Dória e Alex Atala como co-palestrantes, Dona Brazi cozinha no restaurante Tordesilhas no dia 1º de dezembro. Não sei se poderei participar deste importante encontro, mas verei dona Brazi no restaurante de Mara Salles na próxima semana. Até lá, pretendo terminar o livro (indicado pelo meu amigo Dória) Comidas Tradicionais Indígenas do Alto Rio Negro (Fiocruz/Editora da Universidade Federal do Amazonas/FOIRN) e mergulhar em outra pesquisa, infelizmente ainda confinada ao meio acadêmico, que retrata os significados profundos dos alimentos na cultura dos povos indígenas. O evento na Cultura é gratuito (com retirada de ingresso 1 hora antes do evento). Já no Tordesilhas, a noite, que custa R$ 120, já está lotada.

Café com Obama



Baristas de Berlim decidiram incrementar seus cappuccinos e desenharam neles os rostos de personalidades como Obama e Che Guevara. A notícia saiu na Época Negócios online e foi replicada pelo Sérgio Parreiras, do Peabirus. A técnica usada pela dupla da cafeteria Bonanza Coffee Heroes para fazer a latte art foi o estencil, a partir de um molde.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Café na veia



Publiquei na menu, em maio, uma reportagem (reproduzida abaixo) sobre uma máquina de café que parece uma seringa de brinquedo, mas que faz uma tremenda bebida. A AeroPress é barata (relativamente falando), fácil de manejar e aceita qualquer grão - não é preciso "fidelizar", como acontece com a Nespresso e com a iperEspresso, da illycaffè. O melhor é que a extração da máquina, por incluir pressão, aproxima o café das características de um espresso. Retomo o assunto agora porque a maquineta está com novo visual - agora ela é transparente, e não mais azul -, e custa mais barato: R$ 135 (contra R$ 180 quando chegou ao Brasil). Você pode encontrá-la no Coffee Lab (antiga Academia de Barismo, tel. 11/3375.7400).

Depois da invenção das máquinas de espresso e das recentes e herméticas cápsulas de café, pode-se conjecturar se já não atingimos a perfeição na arte de extrair cafés. A resposta é negativa. Em 2005, o engenheiro mecânico e instrutor da Universidade de Stanford Alan Adler lançou no mercado uma máquina de café que combina as qualidades de um espresso com a facilidade de um café filtrado. O nome, Aerobie AeroPress, faz referência à empresa de brinquedos esportivos de Adler, a Aerobie, e seu produto mais conhecido, um frisbiee em formato de anel. O sucesso deste invento recreativo - que bateu o recorde mundial de distância e velocidade e atraiu fanáticos por esse esporte - parece se repetir com sua nova engenhoca destinada a extrair café, vendida aos milhares, em mais de 20 países.

Mundo afora, experts em cafés aprovaram a novidade, que acaba de chegar ao Brasil, com preço de R$ 180. Um deles é o especialista Kenneth Davids, editor do site Coffee Review e de livros sobre a bebida. "Ela produz um espresso melhor do que várias máquinas caseiras, que custam 20 vezes mais", avalia, em seu site. Dois anos de pesquisas e vários experimentos depois, Adler certificou-se de que alguns parâmetros eram as chaves para obter o melhor sabor do café. "Sabia que, ao diminuir o tempo de contato entre o pó e a água e produzir uma filtragem mais rápida, reduziria os níveis de amargor e de agressividade do café", explica o inventor, em entrevista à Menu, de Los Altos, Califórnia, onde mora.

Numa espécie de seringa gigante, o café é colocado em infusão por 10 segundos - tal como numa cafeteira francesa, mas diferentemente do café filtrado, isso permite um contato uniforme de todas as partículas do café moído com a água. Depois, o líquido é pressionado pelo êmbolo e o café é extraído através de um filtro de papel em sua base. "Ao contrário da água filtrada, a água pressurizada quebra moléculas de óleos essenciais e açúcares responsáveis por uma gama maior de aromas e sabores", explica a barista Isabela Raposeiras, colunista da Menu, que está importando o produto pela Academia de Barismo.

A combinação de filtragem rápida e pressão evita ainda a extração prolongada da cafeína, que traz o gosto amargo à bebida. Nos cafés filtrados, o contato do café com a água dura até 4 minutos (contra 30 segundos de extração de um espresso), o que pode resultar numa bebida mais amarga. Segundo Adler, testes de laboratório confirmaram o bom resultado obtido na xícara.

Com o café na xícara, descobre-se mais uma praticidade da máquina: sua limpeza é fácil, já que nenhuma partícula de pó de café permanece no interior da "seringa". "Passar" um bom café virou, agora, brincadeira de criança.


Reportagem publicada na edição 126 (maio/2009) da revista menu

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Evento Gastronomika recebe Japão e Atala

Palácio Kursaal, onde acontece o evento Gastronomika 2009

Começou ontem, dia 22, e vai até o dia 25 a 11ª edição do San Sebastián Gastronomika 2009. A conferência, que acontece no Palácio Kursaal de Donostia, em San Sebastián, vai reunir gerações dos grandes cozinheiros atuais. Ao lado de Heston Blumenthal, Michel Bras, Carlo Cracco, Quique Dacosta, Wylie Dufresne, Carme Ruscalleda e Pedro Subijana, por exemplo, figurarão também chefs japoneses, que são o destaque deste ano (confira a lista completa). Alex Atala também participará da conferência, que teve um jantar de lançamento no sábado, regido por 12 chefs - entre eles, os que fazem parte do comitê científico do evento, como Andoni Aduriz e Juan Mari Arzak e sua filha, Elena.

Além do congresso em si, ocorrem eventos paralelos, como o Off Gastronomika - relacionado ao salão, aos vinhos e aos pintxos -, o Popular - que aconteceu no domingo e foi aberto ao público, com aulas, concursos e degustações - e o Market - a feira de 5 mil metros quadrados. Mas é para a "parte nobre" do congresso que se voltam todas as atenções.

O dia 24, por exemplo, é todo dedicado às "Infinitas cozinhas do Japão". A grande estrela é Hiroshi Ishida, reverenciado pelos grandes chefs, e que conduz o restaurante Mibu, em Tóquio, tido por muitos como o melhor restaurante do mundo: um salão de cerca de 20 m2, com apenas 8 lugares, em que Ishida apresenta uma culinária de altíssima técnica e ingredientes de excepcional qualidade, baseada em peixes, frutos do mar e vegetais. Mantido por 300 associados, só entra quem for indicado por eles. Exclusivíssimo.

Outros temas preparados para esse dia incluem os segredos do sushi, das frituras japonesas, do kobe beef, do saquê, e as fusões das cozinhas japonesa e espanhola conduzida pelos chefs Ricardo Sanz (restaurante Kabuki, em Madri) e Hideki Matsuisa (Koy Shunkai, em Barcelona).

Como na maioria das palestras, organizadas em duplas de cpzinheiros, Alex Atala se apresenta ao lado de Pedro Subijana, do restaurante Akelarre, versando sobre o tema "A emoção das paisagens". Dá para acompanhar as notícias pelo twitter.

domingo, 22 de novembro de 2009

Cupuaçu: a nova queridinha dos americanos



O cupuaçu será a fruta da vez nos Estados Unidos. Um estudo conduzido pela Mintel, empresa de pesquisa de mercado norte-americana, sobre as tendências em sabores para 2010 no mercado dos EUA prevê entre os preferidos o do cupuaçu, a "próxima superfruta". Destacam-se como seus maiores atrativos, segundo a pesquisa, as mais de 10 vitaminas e antioxidantes, além de ácidos graxos e aminoácidos essenciais.

A pesquisa identificou outros cinco ingredientes que ganharão destaque em 2010: cardamomo, batata-doce (a comida funcional do momento), hibisco (que irá migrar do chá para outras bebidas), água-de-rosas (fica deliciosa em brownies, they say) e condimentos "latinos", como o coentro.

sábado, 21 de novembro de 2009

Os melhores cafés do Brasil



No último dia 13, diversos especialistas de café do mundo inteiro se reuniram em Machado, Minas Gerais, para o Cup of Excellence, um evento que está na décima é dos mais importantes no calendário cafeeiro mundial. Tais especialistas (integrado por provadores e compradores de torrefadoras e lojas de cafés) elegem anualmente, a partir de uma pré-seleção nacional (que elencou 56 amostras), os melhores cafés produzidos no Brasil. no dia 19 de janeiro, esses cafés irão ser disputados num concorridíssimo leilão mundial, que acontece pela internet.

Neste ano, encabeçou a lista das 26 amostras vencedoras o produtor Cândido Vladimir Ladeia Rosa, da Fazenda Ouro Verde, localizada no município de Piatã, na Bahia. Minas Gerais e São Paulo conquistaram o 2º e 3º lugares, respectivamente. Tal como nos vinhos, os cafés ganham notas numa escala de 100 (para características como corpo, sabor, doçura e acidez): o vencedor levou 91,08 pontos (notem o nível de detalhe) do júri internacional. Para quem se interessar, o site da BSCA (Associação Brasileira de Cafés Especiais) relaciona a lista completa.

É uma pena que um evento tão importante como esse - e que foi criado no Brasil - seja tão pouco divulgado por aqui. É uma prova de alto nível (os cafés são provados no mínimo 5 vezes), com produtos de altíssima qualidade e um júri de profissionais muito tarimbados. Esses cafés costumam alcançar cifras grandiosas e os japoneses, compradores importantes e muito exigentes, brigam acirradamente por um lote desses. O recorde, em 2005, foi de R$ 14.872,90 a saca de 60 kg de um café da variedade bourbon (o que equivaleria, grosso modo, a R$ 62 por um pacote de 250 g de café), e seu produtor, que está entre os 26 finalistas esse ano, é de uma região bastante especial chamada Carmo de Minas. A nota deste café? 95,85 pontos, para fazer um Parker do café também chorar de emoção.

Sim, é verdade que essas preciosidades seguem majoritariamente para o mercado internacional, que se interessa e paga muito elas. Mas esse ano, por exemplo, foram comercializados internamente os lotes que não tiveram nota suficiente para ir a leilão, mas que já tem uma qualidade que vale a pena. Resta saber quem os comprou, como serão comercializados por aqui e se as pessoas vão se dispor a pagar por eles - quem, como eu, já teve chance de aprender um pouco mais sobre essa bebida e sua complexidade, e de provar algumas (poucas mas) boas xícaras, garante que vale a pena.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Estante




Bolinhos da moda
Febre nos Estados Unidos, os cupcakes viraram moda também na capital paulista, com vários confeiteiros dedicados ao seu preparo. Um prato cheio, portanto, preparar esses pequenos bolinhos, assados em formas de papel e com farta cobertura à base de manteiga, sob a assinatura de Martha Stewart. Em Martha Stewart’s Cupcakes, livro lançado há pouco na América, a prolífica equipe de editores da revista que leva o nome da autora, empresária e apresentadora de TV oferece 175 receitas da guloseima. A bela edição, com fotografia impecável, traz receitas para o dia-a-dia, como cupcakes de cenoura e tiramisù, e para datas especiais, com coberturas caprichadas. No fim da obra, instruções sobre ingredientes, técnicas de preparo e finalização. No Brasil, é indicado para iniciados, pois é preciso, antes de tudo, adaptar ingredientes.
Martha Stewart’s cupcakes – dos editores da revista Martha Stewart Living - Clarkson Potter (352 págs.) – R$ 64, 22, na Livraria Cultura


Profissão: cozinheiro
Mesmo com a profusão de escolas de gastronomia pelo país, o Brasil dispõe de pouquíssimas obras técnicas, em português, que auxiliem na formação de cozinheiros profissionais. Assim, seria bastante esperada uma tradução de Chef profissional, um calhamaço de 1200 páginas concebido pelo Culinary Institute of America (CIA), importante escola de gastronomia norteamericana. Mas volume não necessariamente significa conteúdo, e no afã de cobrir vários âmbitos, sacrifica em profundidade e detalhamento as técnicas e preparos culinários em si. Assim, na seção de identificação de ingredientes, a obra ganha pontos ao tratar e ilustrar bem os cortes de carnes e variedades de peixes, mas pouco acrescenta com relação a frutas e massas. E, embora seja uma edição atualizada (a oitava), nada fala sobre novos equipamentos, produtos ou técnicas de cocção – como o cozimento a vácuo que, aliás, é aplicado na França desde a década de 1970. Afinal, outras técnicas e concepções culinárias estão na ordem do dia, inclusive nos Estados Unidos – uma referência bastante clara na condução da obra, particularmente na seleção das receitas.
Chef profissional – CIA (Culinary Institute of America) - Senac Editoras (1236 págs.) – R$ 185


Ciência na cozinha
Uma folheada rápida em Cientista na cozinha, escrita por pesquisadores argentinos para a Coleção Ciência que Ladra, traduzida pela Civilização Brasileira, remete imediatamente ao químico francês HervéThis, que cunhou ao lado do físico húngaro Nicholas Kurti , no final dos anos 1980, o termo gastronomia molecular para se referir aos processos químico-físicos das operações culinárias. Mais simples, a obra argentina limita-se a explicar suscintamente questões que Hervé This destrincha e detalha em intermináveis pesquisas. Dividido como um cardápio, o livro desvenda “misteriosas” reações, como a fermentação do pão, a cocção de um ovo ou o preparo da maionese, usando repetida e impropriamente (como fazem aliás, quase todos os que relacionam ciência e cozinha) o termo alquimista para se referir ao cozinheiro, “mago” dessas operações. Ao fim e ao cabo, porém, oferece conhecimentos sobre Química, com exemplos mais palatáveis do que os oferecidos nas escolas.
O cozinheiro cientista – quando a ciência se mete na cozinha - Diego Golombek e Pablo J. Schwarzbaum – Civilização Brasileira (160 págs.) - R$ 28, na Livraria Cultura

Publicado na revista menu, novembro/2009 (edição 132)

domingo, 15 de novembro de 2009



“Time is an herb that cures all diseases”
de Benjamin Franklin (1706-1790), em Poor Richard's Almanac

sábado, 14 de novembro de 2009


Gherkins and tomatoes, do pintor espanhol Luis Melendez

Visito frequentemente um dos blogs sobre estudos em alimentação de que mais gosto: o da historiadora Rachel Laudan (sobre quem já comentei aqui). E a partir dele, também fico conhecendo outros blogs sobre o assunto. O último com que tomei contato foi Gherkins & Tomatoes, interessantíssimo. A autora, Cynthia Bertelsen, tem uma formação multidisciplinar, e, além dos textos que escreve, traz links fundamentais para quem quer se aprofundar no tema - principalmente, os que listam bibliografias sobre estudos em alimentação e os que localizam obras antigas (como livros de receitas) digitalizadas.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

A nova fase de Alain Poletto


Alain Poletto está em nova fase. E o Pão de Açúcar também. Depois de deixar o comando das panelas do Dalva & Dito (ele ainda é sócio da casa), em meados do ano, o chef francês foi contratado como consultor pela rede de supermercados para levar à rôtisserie do grupo aquilo que é sua especialidade: o cozimento a vácuo - ou a justa temperatura, como o chef gosta de designá-lo. A primeira fornada estreia no Natal: além de 6 sobremesas e 18 outros pratos (como cuscuz de bacalhau e salpicão de frango), serão oferecidas 6 carnes em que se utiliza a técnica: tender, peru, pernil e lombo suínos, rosbife de alcatra e pernil de cordeiro.

A ceia é montada em três kits diferentes (o preço por pessoa do kit mais em conta fica em R$ 22), mas os pratos podem ser adquiridos separadamente. "Nossa projeção é vender 50 toneladas, 20 delas de carnes", anunciou Poletto durante apresentação à imprensa do projeto (desenhado para ser desenvolvido em 8 anos), na última sexta-feira. Cabe ao cliente escolher se leva as carnes prontas para casa ou se faz, ele próprio, sua finalização - que consiste em aquecer a embalagem em banho-maria, selar e servir.

Além de ter de volta à cena o maior especialista nesse tipo de cozimento do país - embora quase ninguém saiba, o chef, que foi também "formado" professor, publicou há anos, em francês, um livro-referência no assunto com o qual trabalha há mais de duas décadas -, será visível o aumento de qualidade num tipo de serviço oferecido por supermercados brasileiros que, com raras exceções - como a rôtisserie da Casa Santa Luzia (que, aliás, só tem uma loja) - não tem destaque.

Se num restaurante essa técnica, bem empregada, já faz diferença na qualidade do produto, num conglomerado que também se dedica a preparar comida e a distribui para mais de 145 lojas existentes no país a diferença é exponencial (os pratos estarão em boa parte das lojas - com exceção, no início, das situadas no nordeste).

Esse tipo de cozimento - empregado há muitos anos em caterings e companhias aéreas mundo afora - mantém íntegras as propriedades dos alimentos ao submetê-los, embalados a vácuo, a temperaturas mais baixas, por períodos maiores do que os utilizados nos cozimentos tradicionais. O resultado são carnes rosadas, suculentas e macias em todos os pontos, que podem ser preparadas com antecedência e em larga escala. Também pode ser aplicada em vegetais, que permanecem com a cor próxima à original, e sabor e textura diferenciados, assim como em peixes. Como o alimento não entra em contato com o oxigênio durante o cozimento, ele também não oxida - o que produz uma diferença gritante em ingredientes como alcachofra, por exemplo, bastante suscetível à mudança de cor.

Em seu livro La cuisson sous vide, Poletto explica que, durante o cozimento, as substâncias responsáveis pelos aromas e sabores dos alimentos ficam aprisionadas na embalagem, sem evaporar ou diluir-se num líquido. As matérias-primas também não ressecam, pois não perdem água. Vale pagar para ver. As encomendas podem ser feitas até os dias 21 (para o Natal) e 28 (para o Réveillon) de dezembro, com entrega marcada, respectivamente, para os dias 24 e 31 (tel. 0800/7.732.732).

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

O cru, o cozido e Lévi-Strauss



Morreu no domingo (1/11), aos 100 anos, o antropólogo e etnólogo francês Claude Lévi-Strauss. A notícia foi divulgada apenas ontem, dia 3/11. Um pouco sobre sua vida e sua contribuição para a Antropologia pode ser lido no boletim da Fapesp. Não sou versada em Lévi-Strauss, cuja leitura, inclusive, não é nada fácil - mas a antropóloga Paula Pinto e Silva é, e usa do estruturalismo, corrente de pensamento de que é personagem central, em sua análise da cozinha brasileira do Brasil colonial. Me parece oportuno, pois, a (re) leitura de seu livro, Farinha, feijão e carne-seca, em que ela toma o nosso sistema alimentar como uma linguagem que expressa dimensões simbólicas do pensamento. Sistema esse construído, para a autora, numa referência ao triângulo culinário do antropólogo francês, que trabalha as relações entre o cru, o cozido e o podre em termos de transformações culturais (cozido) e naturais (o podre). "A reconstituição da lógica em que se baseiam os processos culinários ganhava muito com a abordagem estruturalista", afirma a autora, na obra publicada em 2005 (e que teve origem em sua tese de mestrado), em que toma o cuidado em demarcar as diferenças entre uma análise baseada em mitos e relatos.

Um esforço maior, porém, é ler o próprio autor. Um de seus grandes trabalhos (além de O pensamento selvagem e Tristes trópicos) foi um estudo em quatro volumes chamado Mitologias, elaborado nos anos 60, em que estuda a estrutura dos mitos entre os povos ameríndios - Lévi-Strauss morou no Brasil entre 1935 e 1939, para onde veio como professor visitante da então recém-criada Universidade de São Paulo. No prefácio do primeiro volume da série - O cru e o cozido - vertida para o português pela Cosac & Naify, Beatriz Perrone-Moisés ressalta as dificuldades em se traduzir o autor, pela estreita relação "estrutural" entre a linguagem e o seu conteúdo. Partindo de um mito dos índios Bororo, Lévi-Strauss persegue formas variadas entre diferentes grupos por toda a América, examinando a estrutura sob as relações entre elementos dessas histórias.

Vez por outra, O cru e o cozido é utilizado por aqueles que pensam a gastronomia como referência das relações entre natureza e cultura. Um exemplo foi um esquema "alargado" e gastronômico, proposto por Alex Atala há alguns anos. Nele, Atala soma ao triângulo composto pelo cru (que o chef designou como sabor "natural"), cozido (sabor adocicado) e podre (que resulta em sabores ácidos) a categoria dos tostados (que representa o sabor amargo). Pelos possíveis desdobramentos que uma obra deste porte pode suscitar, vale o esforço de sua leitura.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Casa, comida e farinhas


Revista Casa & Comida
Muita gente não viu a revista Casa & Comida, um especial da Casa & Jardim, da editora Globo, que terá nova edição em dezembro. Vale a pena, é linda. Segue uma amostra de uma das reportagens que fiz, sobre farinhas de mandioca - cuja "categorização" dá pano prá manga... (o texto, abaixo, está na íntegra).

Produto derivado da mandioca, a farinha é a principal forma de utilização desta raiz. Muitas vezes, o mesmo tipo de farinha ganha nomes diferentes dependendo da região onde é feita — como a farinha de copioba, feita na Serra de Copioba, na Bahia. Variam de acordo como o modo de preparo (na água ou seca), além da granulometria ou do ponto de torra. Em geral, ganha esse nome a mandioca descascada, ralada, prensada, torrada e peneirada — pois farinha crua não existe. Algumas, depois de descascadas, são fermentadas, adquirem um gostinho ácido característico: são as farinhas d’água ou farinhas de puba, muito apreciadas no Norte do país. Há também grossa, fina, quebradinha, feitas de mandiocas brancas ou amarelas. Mas é preciso ficar atento à confusão nas designações. A farinha polvilhada, também chamada de gomada, por exemplo, significa a mesma coisa: uma farinha rica em amido, que confere liga às preparações feitas com ela. Em São Paulo, algumas dessas farinhas são vendidas nos mercados, como o mercado da Lapa, e em casas de produtos nordestinos. A tarefa mais difícil é escolher entre elas. Depois, é arregaçar as mangas e preparar bolos, pães, cuscuz, moquecas, ou simplesmente, polvilhar sobre um bom prato de feijão (com ou sem arroz).

Farinha d’água – também conhecida como farinha de puba, é feita com a massa da mandioca fermentada (ou pubada) e peneirada. Seca, crocante e ácida, é usada para fazer bolos, bolinhos e cuscuz, além de entrar no preparo do pirão e acompanhar moquecas. No Norte do país, come-se no café da manhã misturada ao açaí. R$ 2,50 o quilo, no Chitão

Farinha copioba – é a farinha baiana, seca e fina, feita na região da Serra de Copioba, na Bahia (em cidades como São Filipe), famosa por sua produção e qualidade. Pode ser branca ou amarela. Como a mandioca amarela é difícil de encontrar nessa região, muitas vezes a farinha branca, colorida com corante ou açafrão-da-terra, é vendida em seu lugar. Muito usada como farinha de mesa. R$ 2,50 o quilo, no Chitão

Farinha de biju
- feita com a goma da mandioca, é peneirada em camada fina sobre uma chapa quente, o que lhe dá um aspecto flocado. Na Bahia, é consumida no café ou no leite, com rapadura. “Levada ao forno com coco ralado e açúcar, pode ser usada como granola”, ensina a nutricionista e blogueira Neide Rigo. R$ 5 o quilo, no Box 10 (Mercado da Lapa)

Farinha gomada – ideal para fazer pirões, é uma farinha fina com boa quantidade de polvilho (o amido da mandioca). Em Santa Catarina e no Paraná, sua granulação é finíssima, como uma farinha de trigo, e é colocada no prato sobre o qual se despeja o caldo quente do barreado (prato típico do Paraná) ou compondo os pirões catarinenses. R$ 2,30 o quilo, no Empório Flor da Lapa (Mercado da Lapa)

Farinha seca – “O termo remete ao modo de fazer, ou seja, é usado para farinhas que não amolecem na água”, ensina o sociólogo Carlos Alberto Dória. Pode ter diversas granulações. É a nossa farinha comum, de mesa, também conhecida como farinha de raspa, muito usada para fazer farofa. R$ 2,50 o quilo, no Chitão

Fontes: “Com Unhas, Dentes e Cuca”, de Alex Atala e Carlos Alberto Dória (editora Senac São Paulo), Neide Rigo (blog “Come-se”) e restaurante Tordesilhas.

Onde comprar
Chitão (rua Joaquim Nabuco, 238, Brás, tel. 11/2692-8925)
Empório Flor da Lapa (Mercado da Lapa, rua Herbart, 47, Box 80, Lapa, tel. 11/3832-1697)
Mercearia Box 10 (Mercado da Lapa, rua Herbart, 47, Box 10, Lapa, tel. 11/3836-7785)

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Comida é cultura



Entre as tantas palestras que vou estou perdendo no evento Semana Mesa São Paulo enquanto passo a semana no Rio, uma das que mais sinto é a do historiador italiano Massimo Montanari. Montanari vem ao Brasil para lançar O mundo na cozinha, obra que organizou em 2002 e que acaba de ganhar tradução para o português pela editora Senac São Paulo. No dia 28 às 12h, fará uma palestra no evento da Prazeres intitulada “Não há inovação sem raízes. Não há raízes sem inovação”.

Porque elegi esta como uma das minhas perdas maiores? Porque Montanari é uma das autoridades mundiais em história da alimentação. Professor de história medieval (área em que é especialista) e da alimentação na Universidade da Bolonha, Montanari se fez conhecer no Brasil por uma das obras que ainda hoje servem de referência na área – o compêndio Food: a culinary history, traduzido em 1998 como História da alimentação pela Estação Liberdade, que organizou em parceria com Jean-Louis Flandrin, outro importantíssimo historiador, já falecido (e que, recentemente, teve uma obra, inacabada, publicada em inglês).

Escreveu mais de uma dezena de outros livros, entre eles Italian cuisine: a cultural history (1999), Famine and plenty: the history of food in Europe (1993), Bologna la grassa (2004) e Food is culture, também traduzido no Brasil pelo Senac em 2009 que gerou, em abril, uma entrevista para o caderno Mais! do jornal Folha de S. Paulo. Montanari é herdeiro de uma historiografia francesa que, a partir dos anos 60, entendeu as práticas do cotidiano como objetos de estudo de historiadores. Essa nova história, de cunho social (que teve como expoente o francês Fernand Braudel e seu Civilização material, economia e capitalismo, de 1979), produziu diversos trabalhos relativos à história da alimentação e ganhou corpo nos anos 70, a partir de pesquisas como as de Montanari, Flandrin e de outros estudiosos, como Jean-Paul Aron e Bruno Larioux, cujas análises partiam, pelo menos num primeiro momento, de dados (quantitativos) exaustivamente recolhidos em livros de cozinha, manuais de etiqueta, listas de preços de produtos alimentares, relatos de estrangeiros, antigos menus de restaurantes e de refeições particulares.

Muitas são as expectativas sobre os chefs estelares que chegam para o evento, como Alain Ducasse, o confeiteiro do Plaza Athénée, Christophe Michalak, e Carlo Cracco (restaurante Cracco, Milão). Mas, tão importante quanto aqueles que desenham, hoje, a cozinha que será lembrada no futuro, é alguém do calibre de Montanari, um dos primeiros a formar um quadro contemporâneo e bastante complexo (e bem longe dos “mitos fundadores”) do que foi a cozinha no passado. Pois mesmo grandes cozinheiros como Ferran Adrià sabem que, sem compreender a nossa história culinária, não há como fixar apropriadamente uma cozinha no presente.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Para matar a (minha) saudade...


Vendo o blog da Alexandra Forbes, que está no México, me deu uma saudade louca daquele país. E dos mercados de lá. Então, resolvi publicar minhas poucas fotos - nos grandes mercados da Cidade do México, não é aconselhavel andar com máquina fotográfica.

As fotos abaixo, então, são de um mercado menor, o de San Juan, que abastece vários restaurantes da cidade e gourmets mexicanos. Tranquilo lá pelo meio da manhã, não se compara ao incrível mercado de La Merced, um dos maiores do país, caótico e fervilhante. Este ficou na memória. Nascido no final do século 19, mudou de lugar nos anos 1950 e foi "dividido" - parte para verduras e frutas, outra para carnes, outra para as flores etc.

Uma das porções mais incríveis é conhecido como Sonora, e vende desde panelas tradicionais mexicanas (uma imensidão delas, que você não toca, apenas aponta ao vendedor as que deseja levar) até ervas medicinais e animais vivos. A foto de chiles foi feita no mercado de Oaxaca, já quase de noite - no México, cada região tem seus próprios chiles. Vamos, então, dar uma volta no San Juan...

Barracas organizadíssimas...

Com ingredientes frecos e de ótima qualidade...

Produtos de várias partes do mundo...

E vendedores cuimentos com seus ingredientes!

Sob a proteção de Nossa Senhora de Guadalupe...




... uma paradinha para o café da manhã

Flores de calabaza, vendidas "a rodo" nos mercados

Chiles, no mercado de Oaxaca