terça-feira, 29 de setembro de 2009

Cozinha brasileira em dose dupla


Em outubro vão acontecer duas aulas ótimas na Escola Wilma Kövesi de Cozinha, ambas sobre cozinha brasileira. No dia 6 de outubro, Roberta Sudbrack - recém-eleita pelo guia 4 Rodas Brasil Chef do Ano, discutirá "A moderna cozinha brasileira: novas reflexões e possibilidades". A chef do restaurante carioca que leva seu nome vai preparar pratos como canelone de atum e tartare de chuchu, pargo em vinagrete crocante de maxixe e consomê de chocolate amargo, pele de leite e rapadura. A aula custa R$ 250 e acontece das 19h às 22h (Meus comentários sobre alguns desses pratos podem ser conferidos em outro post).

E, no dia 1º de outubro, no mesmo horário, é a vez de Rodrigo Oliveira, do restaurante Mocotó (SP). Na aula "Cachaça no copo e na panela" (R$ 185), Oliveira, conhecedor da bebida, dará um panorama histórico e geográfico da produção brasileira, fará uma degustação comentada e usará o ingrediente para preparar uma costeleta marinada e musse de chantilly com cachaça. Falar sobre Rodrigo Oliveira merece um post à parte, mas também um "aprofundamento" maior nos sabores da sua cozinha. Já estive por três vezes em seu restaurante, e a minha lista de pratos ainda é miúda, bem como a de outras percepções, como a do ambiente: uma coisa é ir num domingo, quando a calçada fica tomada de gente esperando por uma mesa desde cedo. Outra bem diferente é passar por lá durante a semana, quando um outro público toma conta do salão. Esta situação ainda está por vir.

Enquanto isso, vale dizer que a sobremesa que Rodrigo irá preparar na aula já passou duplamente pelo meu crivo - da última vez, estava ainda melhor: o jovem cozinheiro havia conseguido um chocolate artesanal de pequenos produtores do Recôncavo baiano. Não é sempre que esse ingrediente, encontrado no Mercado do Rio Vermelho, em Salvador, chega às suas mãos. "É um chocolate com muito teor de cacau, com pedacinhos da semente também", explica. Agora, está testando outro chocolate brasileiro. Vejamos o que vai ser.

Escola Wilma Kövesi de Cozinha (rua Cristiano Viana, 224, Pinheiros, São Paulo, 11/3063.1592)

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Tem, mas tá acabando II


Três carnes do sertão, prato principal do evento

Pode vir que ainda tem... mas tá acabando. O restaurante Tordesilhas lançou, nesta segunda quizena de de setembro, a segunda edição do projeto "Tem mas tá acabando". É um trabalho valioso, em que a chef Mara Salles apresenta ao público paulistano ingredientes desconhecidos, raros em sabor, de diferentes regiões o país, e que estão em sua melhor época. São adquiridos lotes desses produtos - a expectativa da casa é que eles durem até meados de novembro -, servidos até que o estoque deles acabe. Muitos deles também estão, aos poucos, deixando de fazer parte dos hábitos dos brasileiros.

Esta edição contar com os seguintes: (e publico aqui o textinho enviado pelo restaurante, que melhor explicação, não tem!)

Siri da Ilha das Caieiras, no Espírito Santo: as desfiadeiras de siri da Ilha das Caieiras, em Vitória, passam o dia separando delicadamente a carne dos siris recém-pescados. É um siri fresco, puro e muito saboroso.

Farinha de Copioba: sinônimo de farinha de qualidade na Bahia, a farinha de copioba é uma farinha de mandioca fina, crocante e rica em goma (amido), que pode ser branca e amarela. O nome vem do Vale da Copioba, que corta os municípios de São Felipe, Nazaré das Farinhas e Maragogipe, região que ganhou notoriedade no passado graças à grande produção de farinha de mandioca.

Carne de fumeiro do Recôncavo Baiano: a carne de fumeiro também faz parte da tradição alimentar do Recôncavo e é encontrada em abundância nas feiras locais. É uma carne bovina defumada artesanalmente, o que lhe confere um sabor muito particular.

Sementes de cacau: as sementes de cacau vieram de frutos recém-colhidos de uma fazenda próxima a Santo Amaro da Purificação, também no Recôncavo Baiano.

Feijão-manteiguinha de Santarém: feijão pequeno, de cor clara, delicado, leve e muito saboroso. Sua maior produção está em Santarém, município situado na margem direita do rio Tapajós, no estado do Pará.

O cardápio, a R$ 80, terá:

*Casquinha de siri da Ilha das Caieiras
*Três carnes do sertão (fumeiro, sol e charque, com processos de cura diferentes) com vinagrete de feijão-manteiguinha e maxixes e farinha de copioba
*Graviola com merengue de jatobá e sementes crocantes de cacau

Restaurante Tordesilhas (rua Bela Cintra, 465, Consolação, região central, 11/3107.7444)

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Lattíssima é a novidade da Nespresso


A Nespresso acaba de lançar mais uma de suas máquinas bacanudas. A Lattíssima, lançada lá fora em 2007, é o quinto modelo disponível no Brasil desde 2006, quando a marca aterrisssou por aqui. É dedicada a preparar lattes e cappuccinos, além de espressos - é a primeira máquina da marca a incluir leite, e fresco.

Além do design, a arquitetura das máquinas Nespresso sempre impressionam. Primeiro, ela tem um bico acessório que entra no lugar do compartimento do leite (removível) e serve para aquecer água para um chá. Tem também uma base removível que permite encaixar copos maiores para as bebidas de café. Também é possível aquecer xícaras no topo da máquina. Vem com um leitor de nível de água, e um botão que, quando apertado, limpa o bico vaporizador - que, se estiver com sobras de leite de outras preparações, pode arruinzar sua bebida. Claro que só pode ser usada com cápsulas Nespresso, a despeito de outras máquinas de espresso. E claro que isso tem um preço, altíssimo: R$ 2.200. Mas, parafraseando o grande Saul Galvão, "não são os vinhos (no nosso caso, as máquinas de espresso) que são caros, nós é que somos pobres".

Agora, como toda máquina de espresso doméstica, ela deve ser avaliada nesse âmbito. E isso significa que com a Lattíssima você tem uma bebida com apenas um aperto de botão. Não requer habilidade nem tampouco experiência. Nesse contexto, a máquina é se sai bem, especialmente no latte macchiato, uma bebida que consiste em leite vaporizado (200 a 270 ml) manchado com uma dose de espresso de 30 ml, (o cappuccino leva 1/3 de espresso, 1/3 de leite vaporizado e 1/3 de espuma vaporizada de leite). Atenção: chocolate em pó sobre o cappuccino é prática no Brasil, e não faz parte da receita original. Eu evitaria (ainda mais com a qualidade do chocolate em pó nacional, que é lamentável).

Vaporizar leite é uma arte bem complexa, desde a escolha do ingrediente e suas proporções de proteínas e gordura até o uso correto da temperatura e do tempo de vaporização. E nada se compara à vaporização do leite feita em máquinas profissionais (nas mãos de um barista experiente, obviamente), que tem uma capacidade de caldeira muito maior. Um cappuccino comme il faut, além do sabor do café, tem que ser absolutamente cremoso, com doçura evidente do leite.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

De blog em blog...



Uma leitora deste blog me pediu para postar o texto que preparei para minha apresentação ontem, no encontro de blogueiros na Livraria Cultura. Aí está:

Nos últimos anos, os blogs têm despertado tanto interesse que até o presidente da república resolveu ter o seu: de olho no espaço virtual, escolheu um blogueiro-jornalista que trabalhava no Greenpeace e levou-o para Brasília. O blog do planalto estreou no dia 1 de setembro, com 27 mil visitas em seu primeiro dia de funcionamento.

Mas a blogosfera não parece um lugar tão grande assim. Como diz a blogueira Carol Costa, do blog Guindaste, “blogs pessoais são como aquelas casas em que a porta fica sempre aberta – quem vem da rua, nem precisa dizer "'ôôô de casa!' para ir entrando. Pode chegar, abrir a geladeira e fuçar as gavetas sem ser pego em flagra."

Blogs de comida, a princípio, podem lembrar uma receita. Daquelas que, se quisermos, podemos fazer a olho, sem medida, do nosso jeito. Pois, para o bem e para o mal, o blog é uma instituição em si – não tem patrão, nem horário, nem lauda a cumprir. Seu texto não precisa passar pelo crivo de ninguém antes de ir a público. A blogosfera faz com que todos pareçam iguais – os que cozinham, os que tentam cozinhar, os que criticam, os que os lêem, os que ensinam, os que aprendem. Não é preciso ser especialista, basta ser amador. Mas se a receita falhar, seu leitor será implacável, e te abandonará.

De diário íntimo, os blogs, nos últimos anos, também passaram a postar aquilo que seu autor pensa, não só o que vive. Segundo o Technorati, somos 33 mil blogueiros que escrevem sobre o tema. E temos bastante daquilo que os cozinheiros de vanguarda tanto valorizam: a cumplicidade.

Navegar pelos food blogs americanos, os mais visitados, comentados e ranqueados, dá uma ideia de como um simples prazer — o de participar de uma comunidade e partilhar informações sobre um assunto sobre o qual todos tem algo a dizer — pode se tornar um negócio altamente especializado – e lucrativo. O blog Simply Recipes, por exemplo, afirma receber 3 milhões de visitas por mês – um prato cheio para qualquer anunciante.
David Leibovitz é um confeiteiro que combina receitas e histórias sobre Paris, cidade onde vive há 12 anos. Chegou a receber 900 comentários em um único post – justamente o que anuncia, para o início do ano que vem, um encontro entre dez blogueiros, que conduzindo workshops sobre como tornar seu blog de comida melhor, mais atraente e mais visitado.

Chez Pim é conduzido pela a tailandesa Pim Techamuanvivit, que largou a vida no vale do silício e resolveu escrever sobre comida. Em 2007, relatou em seu blog as visitas a 23 restaurantes triestrelados pelo Michelin, circuito que fez em 6 semanas. Suas receitas e histórias apareceram nas páginas do New York Times, Food & Wine Magazine, Bon Appétit e vários outros impressos. Está lançando um novo livro e atualmente, conta com uma legião de 142 mil seguidores fiéis.

Alguns viraram mesmo celebridade: O caso mais famoso é o da novaiorquina Julie Powell, uma secretária frustada que resolveu fazer, em um ano, todas as 524 receitas ensinadas por Julia Child no clássico Mastering the art of french cooking. O blog virou livro, que virou filme, estrelado por Meryl Streep.

Há ainda os blogs de dupla jornada – os que, teoricamente, alcançam duas vezes mais leitores. Chocolate and Zucchini, um dos mais antigos blogs de comida, é feito por uma jovem parisiense, e tem posts em inglês e francês.

Mas alguns falam de comida para além das receitas e histórias pessoais. Foodpolitics, da respeitadíssima acadêmica da New York University, a bióloga e nutricionista Marion Nestle, analisa o impacto da indústria alimentar sobre a saúde da nação americana. O especialista em vinhos Tyler Colman, autor do Dr. Vino’s wine blog, venceu em 2007 o American Wine Blog Awards por seu trabalho que explora as relações entre vinho, economia e política.

Mas, o que faz um blog de comida ter sucesso? O que publicar, o que deixar de publicar, como aumentar as visitas no seu blog? Cada um tem uma explicação – ou uma receita. A mais comum é a que compara o blog a uma conversa na mesa da cozinha – a natureza familiar, imediata e casual da sua escrita. Diferentemente dos livros de cozinha e das revistas, que trabalham numa via de mão única, visitar blogs é como pegar uma dica de receita de um bom amigo.

Ao analisar o fenômeno em artigo para a revista Food & Wine, o editor-contribuinte Pete Wells diz que blogs dizem respeito tanto ao conteúdo que apresentam quanto àquilo que esse conteúdo representa para o seu próprio autor. “Quando blogueiros são capazes de fixar o discurso ao qual se propõe, sua audiência e popularidade irão aumentar”.

Pois a maioria dos blogs e de hoje está centrada em torno de um tema, e não de um personagem que narra sobre si. Embora histórias pessoais possam fazer a diferença, elas funcionam somente no contexto do assunto sobre o qual o blog decidiu tratar.
Também pela possibilidade de interatividade, os blogs têm um alcance que as mídias tradicionais não podem oferecer, nem mesmo quando permitem contato entre leitores e seus articulistas em seções como “carta ao leitor”.

Alguns avisam, porém, que blogar sobre comida não é prá todo mundo, mas somente para aqueles que querem participar de uma comunidade, que desejam feedback – pois a interação entre o blogueiro e o leitor é um componente-chave para a vida de um blog.
Blogar é, também, a possibilidade de propor algo diferente, como um “novo título” no mercado virtual. Lisa Fain diz que começou seu blog quando percebeu que não havia ninguém escrevendo sobre comidas que podiam interessá-la. Ela é a autora do Homesick Texan, de comida texana.

Mas para Wells, um blog de sucesso deve respeitar alguns limites. Para ele, os food blogs não deveriam competir com meios impressos, como por exemplo, ao fazer crítica de restaurantes. O crítico do NY Times é muito bem pago prá isso, além de dispor de uma verba altíssima, justifica ele. O que os blogueiros de comida deveriam, sim, fazer, é analisar, criticar o trabalho feito pela grande mídia. É uma opinião com a qual poucos blogueiros e leitores devem concordar. Mas há ainda muitas outras opiniões a serem postas na mesa. Afinal, segundo uma recente pesquisa da F/Nazca, somos 65 milhões de internautas no país - e todos gostamos de comer.

domingo, 13 de setembro de 2009

Blogs gastronômicos



Nesta segunda, dia 14/9 às 18h, tem encontro de blogueiros da alimentação na Livraria Cultura, dentro do ciclo de palestras Entre Estantes & Panelas. O Sejabemvinho vai estar lá: compareça!

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Restaurant Week e o couvert


istockphoto
O Restaurant Week termina neste domingo. Mas ainda tem o findi prá fazer uma boquinha em algum restaurante que você gostaria de conhecer a tempos e ainda não teve chance - ou grana. Na segunda da Independência, aproveitei para ir aoPicchi. Lugar bonito, simpático, com bom serviço. Ninguém me conhecia por ali, mas a câmera do celular - em mais uma das minhas infelizes tentativas de "sacar" fotos de prato no interior de um restaurante, com luz artificial e sem o uso de flash (assim, amadoristicamente, parece assustar a comida) - atraiu os olhares do chef Píer Paolo Picchi. É por essas e outras (ou como desculpa prá não fazer mesmo fotos) que prefiro não enquadrar pratos, apenas degustá-los.

De todo modo, o chef não precisa se preocupar. Conforme matérias recentes sobre o estrondoso evento constataram, a relação custo-benefício valeu a pena, em (quase) todos os sentidos. O cardápio, com ofertas clássicas italianas, como vitelo tonnato, polenta com gorgonzola e penne à bolonhesa, estavam corretos e saborosos. Destaque para o raviolini de carnes e legumes ao burro e sálvia, bem caprichado. De sobremesa, deliciosa torta de chocolate com castanha-do-pará.

Minha única crítica fica por conta do couvert, que não está incluso no menu promocional e custou R$ 12,50 no almoço daquele dia. Isto para pão italiano, foccacia, manteiga, grissini (este sim, bem sem graça) e patê de tomate. Acho caro - um couvert no Nonno Ruggero (que, aliás, merece uma visita para quem não conhece), que tem praticamente tudo isso além de presunto de parma, mussarela de búfala de alta qualidade e abobrinha filetada em azeite, cobra, no almoço, R$ 11 (no jantar, R$ 13). Liguei hoje para o restaurante e fui informada de que, em dias úteis, o couvert de almoço cai para R$ 4,50. Fica a dica: se a intenção de um evento como este é oferecer boa comida a bom preço, preste atenção em "adendos" como o valor do couvert. Principalmente porque, prá variar, ninguém pergunta se você quer ou não prová-lo.

Picchi (rua Jerônimo da Veiga, 136, Itaim Bibi, São Paulo, 11/3078.9119)

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Grande Saul


Para conferir a reportagem Terra Brasilis, com o Saul Galvão, clique aqui.

Sobre a crítica gastronômica

Acabei de chegar em casa, e de saber da morte do Saul Galvão. Nos últimos tempos, sempre que a coluna dele deixava de ser publicada, eu ficava com um frio na barriga. Agora, ficam as lembranças de uma das primeiras pessoas que conheci quando me tornei jornalista de gastronomia: seu autógrafo generoso - "Para a Cris, com um abração do colega Saul", no livro A cozinha e seus vinhos (1999), em 2000; as degustações a que tive o prazer de ir e encontrá-lo; e as reportagens que fiz sobre ele, como a do link acima, feita para a revista Espresso, em 2007 - infelizmente, a última vez em que nos encontramos. Um dia, durante uma outra entrevista para a revista Flash (reproduzida abaixo, publicada em 2005), perguntei ao meu querido "colega" qual a cozinha que ele praticava: "Gosto de cozinha “delinqüente”, como rabada, respondeu. Também pedi a ele que me disesse o que era preciso para se tornar um bom crítico. Ele desarolhou uma garrafa de vinho branco e sentenciou: "Gostar de comer". Adeus, Saul.

Eles chegam sem avisar, comem de tudo e pagam a conta. Sua avaliação final pode tirar um estabelecimento do anonimato e até consagrá-lo, revelar novos talentos ou tirar o sono de seus proprietários. Arnaldo Lorençato, Josimar Melo, Danusia Barbara e Saul Galvão sabem disso. Críticos gastronômicos respeitadíssimos, os quatro têm uma única missão: prestar serviço aos milhares de leitores que os acompanham regularmente.

“Tento espelhar fielmente a experiência que o leitor teria ao ir ao restaurante”, explica Josimar Melo, que os avalia semanalmente na “Folha de S.Paulo”. “O leitor gosta de surpresas, de saber daquele lugar que ninguém conhece”, emenda a carioca Danusia Barbara, colaboradora regular do “Jornal do Brasil”. A cada ano, ambos reúnem seus comentários em guias – que levam seus nomes e são referência quando o assunto é comida na capital paulista ou na Cidade Maravilhosa.

Para estar no lugar do leitor, estes jornalistas não param de mastigar. “Estou 24 horas ligada. Já consegui dicas até na fila do cinema”, conta Danusia. Em companhia de amigos ou familiares — para provarem vários pratos —, visitam restaurantes 4 vezes por semana, em média, e experimentam de tudo, sem preconceitos. “Sempre provo pratos que menos aprecio. Se ele está bem feito, vai agradar qualquer um”, considera Arnaldo Lorençato, crítico da “Veja São Paulo”. De estilo discreto, dificilmente é reconhecido. Nunca faz anotações (“tenho uma memória fabulosa”) e, na dúvida, visita a casa novamente.

Mesmo tendo feito programas de TV (“Gourmet” e Boa Mesa”, nos anos 90) e há 18 anos na área, Melo procura passar incógnito pelos salões. Como Lorençato, nunca reserva mesas em seu nome, nem toma notas. Para ambos, cujos veículos são os mais lidos do país, anonimato é fundamental. “Saber quem eu sou pode influenciar o serviço, a apresentação e até a quantidade de comida no prato”, acredita Lorençato. Para Melo, a experiência comprovou que passar despercebido é até bom para o restaurante. “Quando me reconhecem, cria-se uma superatenção sobre mim e certo nervosismo na equipe, que, preocupada em fazer o melhor, torna o serviço pior e mais tenso.”

Manter a “identidade secreta” não é unanimidade. “Não tenho problemas em me identificar”, declara a jornalista carioca. “Eles podem até ser mais atenciosos, mas não vão mudar a qualidade da comida de uma hora para outra”. Especialista em vinhos e autor de vários livros, Saul Galvão, colunista do “O Estado de S. Paulo”, concorda. “Ninguém vai aprender a cozinhar só porque estou lá”, diz ele, que é reconhecido nos restaurantes mais sofisticados.

As opiniões destes especialistas podem ser, para chefs, facas de dois gumes. “Acho que a crítica gastronômica em São Paulo é feita com muito respeito e de alta qualidade”, opina Alex Atala, do D.O.M., que mereceu, em 2005, 3 estrelas — a cotação máxima no “Guia Josimar Melo”. Já o restaurateur Giancarlo Bolla, que perdeu uma delas com seu Bar des Arts, diz que “a crítica até ajuda a remediar algo que não está de acordo” em uma casa.

Entre boas garfadas e maus bocados, portanto, impera (quase sempre) um discurso neutro. “A crítica é objetiva”, defende Lorençato. “Deve-se avaliar quantidade de sal, ponto de cocção, harmonia de temperos. Dizer eu gosto ou não é simples, preciso dizer porquê”, completa ele, que avalia separadamente serviço, ambiente e comida. “Minha opinião não é importante, mas a descrição. Se eu gosto ou não da comida é problema meu”, faz coro Galvão. Para o jornalista do “Estado”, qualquer um percebe se um vinho top está ruim, e não há celeuma entre os críticos quanto a um grande restaurante. “Avaliar o ‘meio de campo’ é que é difícil”, entende. Já Danusia crê que a objetividade limita-se à descrição do ambiente, do astral e do serviço. “O mais importante é gostar ou não da comida, cuja apreciação é subjetiva. Meu leitor quer saber minha opinião: ele escolhe seus críticos com os quais se identifica mais”, argumenta ela.

Nesta viagem pelo mundo dos sabores, estes jornalistas já provaram de tudo.
Numa tribo do Rio Negro, Josimar degustou jacaré e bebeu caxiri, “bebida alcoólica produzida com mandioca mastigada e cuspida pelas índias”, explica. Lorençato provou e aprovou das caçarolas do espanhol Ferran Adrià um snack de orelha de coelho. “É como uma pururuca”, traduz. Já Danusia, em viagem ao Zimbábue, comeu gafanhotos. “É um tiragosto maravilhoso”.

Afinal, a regra número 1 para ser crítico gastronômico é adorar comer. E, depois, conseguir traduzir em palavras o que foi provado. Conhecer técnicas culinárias ajuda a avaliar o trabalho dos chefs. Quanto ao paladar apurado, “ele pode ser treinado”, tranqüiliza Lorençato. Como os colegas, o colunista da ‘Vejinha’ também “apura o paladar” dos amigos quando coloca a mão na massa, tranqüilamente. “Cozinho por prazer, não espero ser avaliado, pois não tenho um negócio”, relaxa.

Ser pago para comer parece ser a melhor das profissões, não? Bem, nem tudo é caviar e champanhe. “Ninguém come tão mal quanto eu”, sentencia o crítico da “Folha”. “Enquanto o público pode escolher só os locais que têm boas indicações feitas por nós, sou obrigado a comer em todos os novos lugares, boa parte deles, medíocre”, enfatiza.

Quem são eles

Perfil: Josimar Melo, 51, pernambucano. Também é sócio e diretor do site “Basilico” e professor de História da Gastronomia da Universidade Anhembi-Morumbi (SP).
Estante: publica há 14 anos o “Guia Josimar Melo”.
Regime: “O que é isso?”
Mestre-cuca: “No dia a dia, gosto de cozinhar com o que tenho a mão”
Tempero secreto: “Cozinhar para amigos: são educados e, depois de comer e beber de graça, não vão me detonar”

Perfil: Arnaldo Lorençato, 41, paulista. Também é editor de gastronomia da Gazeta Mercantil e professor da Faculdade de Comunicação e Artes do Mackenzie.
Estante: prepara um livro sobre a história da gastronomia paulista.
Regime: “Não me privo de nada, não faço gula e corro”
Mestre-cuca: risotos e coelho ao vinho com cogumelos. “Puxei o refinamento da minha mãe”
Pente fino: “O serviço dos restaurantes melhorou (mas precisa melhorar mais) e os cardápios, hoje, são muito variados, criativos”

Perfil: Danusia Barbara, 57, carioca. Com mestrado em Poética, é ex-professora da Faculdade de Letras da UFRJ.
Estante: “Guia Danusia Barbara”, coleção editada pelo Senac, como “Tomate”, entre outros.
Regime: “Como de tudo, uso até açúcar na caipirinha. Faço dança de salão”
Meste-cuca: “Minha cozinha é do aproveitamento. E adoro comer! É um momento de plenitude”
Melhor comida: “A que te transporta. Pode ser um pão com manteiga ou uma lagosta”

Perfil: Saul Galvão, 62, paulista. Atua desde 1964 no grupo Estado e desde 78, escreve sobre comida e vinhos.
Estante: autor de “Prazeres da Mesa” (I e II), “A Essência do Sabor - Cozinhando com Papel-alumínio”, “A Cozinha e Seus Vinhos”, “Guia de Tintos e Brancos”, entre outros.
Regime: “Em casa, não como carboidratos”
Mestre-cuca: “Gosto de cozinha “delinqüente”, como rabada, e faço bem bacalhau”
Pente fino: “É preciso melhorar o respeito aos ingredientes, principalmente os regionais”

Estante



O livro das geladas
Uma rápida busca por obras sobre cerveja em português nas principais livrarias virtuais, cujo resultado não enche os dedos de uma mão, já mostra a importância do recém-lançado Larousse da cerveja. O volume, em capa-dura e bem ilustrado, traz informações sobre o universo da bebida, desde sua história e trajetória em diversos países até seu modo de produção, seus diversos estilos e as características sensoriais, que fazem deste fermentado uma bebida tão complexa e estimulante quanto o vinho. Outro ponto a favor é que, diferentemente de algumas “enciclopédias” da editora – como a que versa sobre chocolates, por exemplo –, esta é escrita por um especialista brasileiro, o que significa contemplar, ainda que de passagem (pela dimensão do tema), as especificidades da bebida no Brasil. Nesse sentido, o autor Ronaldo Morado sinaliza o crescimento e a dimensão de seu interesse em nosso país ao relacionar as microcervejarias brasileiras e arrolar vários pratos nacionais no capítulo de harmonização – que, em obras de cunho geral, geralmente se atém a pratos de origem europeia. Com prefácio da especialista Cilene Saorin, colunista da menu.
Larousse da cerveja - Ronaldo Morado - editora Larousse (360 págs.) – R$ 119

Comida em quadrinhos
É no mínimo curioso acompanhar as aventuras de um gourmet relatadas no formato de história em quadrinhos. Especialmente quando o assunto está a cargo de uma boa dupla, como o premiado quadrinista Jiro Taniguchi, especializado em retratar os hábitos e costumes do Japão, e Masayuki Qusumi, roteirista de mangás. O protagonista de Gourmet é um comerciante anônimo que percorre, nos horários de folga e sozinho (o título original é Gourmet solitário), restaurantes de Tóquio e de outras cidades, assim como as barracas de rua, privilegiando a comida cotidiana japonesa. São 18 capítulos — que devem ser lidos do fim para o começo e da direita para a esquerda —, que passeiam, cada um, por uma especialidade, como o cozido de curry sobre arroz (currydon) ou o refogado de porco com arroz (butaniku itame rice).
Gourmet - Jiro Taniguchi e Masayuki Qusumi - Conrad do Brasil (200 págs.) – R$ 26,90

Do outro lado do mundo
Jen Lin-Liu é uma jornalista chinesa que deixa os Estados Unidos para viver em seu país natal. Embora o leitor demore a perceber isso na leitura do livro — as informações constam de sua orelha —, trazer um pouco de conhecimento dessa cultura alimentar tão desconhecida do Ocidente (ou tão descaracterizada por ele) é o grande mérito de República gastronômica da China. Para desvendá-la, a autora, que foi crítica gastronômica na China e atualmente dirige lá uma escola de culinária, matricula-se numa escola de cozinha tradicional de Pequim e faz estágios em restaurantes. O relato dessas experiências conduz a narrativa, direta e instrutiva.
República gastronômica da China – Jen Liu-Liu – Jorge Zahar (264 págs.) – R$ 49

Publicado na revista menu, setembro/2009 (edição 130)

domingo, 6 de setembro de 2009

Delícias do Santa Madalena


Queijo boursin com azeitonas e figos secos

Conheci o restaurante Santa Madalena há algumas semanas, num (segundo) encontro de blogueiros de comida. Estavam lá a Alessandra Blanco, a Roberta Malta, o Alessander Guerra e a Tatiana Damberg. O bar-restaurante, informal e simpático, fica num galpão, instalado numa rua tranquila da Bela Vista, e está, como outros 200 restaurantes, participando até o dia 13 de setembro do Restaurant Week. Quem toca a casa é Lucia Sequerra, que nos serviu, naquela noite, dois pratos muito simples de fazer, e extremamente saborosos: uma entradinha de queijo de cabra com figos e azeitonas e o que ela chamou de polpetinhas orientais, o meu preferido. A receita é uma versão da chich barak, uma sopa libanesa muito saborosa, que leva capelletti de carne cozido na coalhada. A versão da chef os substitui por polpetas de carne de cordeiro, mas o resultado é igualmente prazeroso. Seguem as receitas, com fotos apetitosas de Mauro Holanda.

Polpetinhas orientais

Ingredientes

500 g de carne de cordeiro moída
2 colheres (sopa) de ervas frescas a gosto (alecrim, manjerona, salsa e cebolinha), bem picadas
1 colher (sopa) de molho inglês
1 colher (chá) de mostarda
1 colher (sopa) de molho de ostras (opcional)
sal e pimenta-do-reino a gosto
1 ovo
farinha de rosca o quanto baste

coalhada
500 ml de creme de leite fresco
suco de 1 limão
1 colher (chá) de sal

Preparo

Misture todos os ingredientes das polpetinhas e faça bolinhas pequenas, do tamanho de um brigadeiro. Congele.
Para a coalhada, ferva o creme de leite. Assim que começar a ferver, abaixe o fogo, junte o suco de limão e o sal e deixe em fogo baixo por 5 minutos.
Cozinhe as bolinhas de cordeiro nesta coalhada e sirva com harissa (condimento usado nas cozinhas do norte da África, feito com especiarias e pimenta, encontrado nos bons mercados de São Paulo).

Dica: para avaliar o frescor do creme de leite, dê uma balançada na garrafa - se fizer barulho de líquido, é porque ele está bom e fresco.

Queijo maison

Ingredientes

2 litros de leite de cabra integral
1 caixinha de creme de leite
suco de 3 limões
1 colher (sopa) rasa de sal
azeitonas pretas chilenas o quanto baste
figos secos picados a gosto
azeite para regar os figos

Preparo

Ferva o leite com o creme de leite. Quando começar a ferver, junte o limão e o sal e deixe talhar por 5 minutos. Forre uma peneira com um pano limpo (tipo perfex) e coe o leite sobre uma vasilha alta: o soro vai se separar, sobrando o queijo. Sirva o queijo com a mistura de figos e azeitonas,regando com azeite na hora de servir.

Santa Madalena (rua Santa Madalena, 27, Bela Vista, São Paulo, tel. 11/3287.6999)

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Quer (mesmo) um café?

Meu amigo Weberson Santiago twittou, ontem, essa animação super-engraçadinha com o tema café. Sem palavras, melhor assitir (e, de quebra, treinar seu francês). Com legenda.
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terça-feira, 1 de setembro de 2009

Para estudar gastronomia



A Faap também aderiu à onda de cursos de gastronomia que pipocam pelas faculdades e abre, em setembro, um curso de extensão em alta gastronomia. Serão 15 meses de estudos, duas vezes por semana (às terças e quintas) - incluindo um sábado por mês, quando acontecem aulas práticas e degustações. O time é de primeira: a começar pelo Arnaldo Lorençato, crítico de restaurantes da Veja S.Paulo e pesquisador sério, que há anos dá aulas de jornalismo gastronômico na mesma escola. Tão estudioso quanto ele estão meu amigo e sociólogo Carlos Alberto Dória, do blog e-boca livre, e Gabriela Mascioli, ex-livraria Mille Foglie, ambos do corpo docente. Entre os chefs participam da empreitada Ana Soares (Mesa III), Andrea Kaufman (AK delicatessen), Felipe Ribenboim e Gabriel Broide - dois jovens cozinheiros que estão chamando atenção por seu trabalho no restaurante Dois. Outras duas jornalistas, Alessandra Blanco e Guta Chaves, com experiência no mundo virtual (para quem não conhece, Ale é do blog Comidinhas e a Guta, do site que leva seu nome), engordam o grupo, que conta com vários outros profissionais. As aulas versarão sobre enogastronomia, viagens gastronômicas, história da alimentação, hospitalidade etc. O curso começa no dia 15/9, das 19h30 às 22h45, e custa R$ 1.540 por mês. Mais informações pelo site da Faap.
FAAP (r. Alagoas, 903, Higienópolis, São Paulo, 11/3662-7311 ou 3662-7312)