A capa do Comida de hoje dedica-se à comida de rua, e à falta de regulamentação no país, ao contrário da seriedade com que ela é tratada pelas autoridades em outras cidades, como Nova York e Londres. Vou aproveitar o gancho (e uma citação de André Barcinzki, em opinião sobre o mesmo assunto no mesmo caderno) para mostrar um pouco da história da comida de rua.
Jean Baptiste Debret (1768-1848) foi um dos estrangeiros que mais retratou a comida de rua no Brasil colonial. Talvez por ter vivido no Rio de Janeiro durante tanto tempo (boa parte dos anos entre 1816 e 1831), enquanto seus colegas naturalistas usavam a cidade como ponto de partida para iniciar suas expedições pelo Brasil. Grande pintor de tipos humanos e interessado em retratar a cidade e suas atividades, Debret deixou em sua Viagem pitoresca e histórica ao Brasil um rico retrato do comércio fervilhante nas ruas da capital.
Nos mercados, ruas e quitandas, ele pinta cenas daqueles que sustentam a cidade, como as vendedoras de milho, ex-escravas que ficam nos mercados, com braceletes de cobre e turbante de arrudas, assando as espigas na brasa. Outros carregam linguiças suspensas em uma vara, que o artista descreve como “espécie de salsicha muito seca, sem gordura e fortemente apimentada” que, com legumes e carnes de vaca, fazem o “caldo gordo”.
Vendedoras de milho
Uma multidão de mulheres transita pelas ruas vendendo o aluá, uma bebida feita de água de arroz macerado e açúcar, mixiricas em gomos e cana-de-açúcar em pedaços, que ficam conservados sob toalhas umedecidas.
Entre os quitutes de tabuleiros, os manuês, folhados recheados de carne, protegidos por cobertas de lã que os mantêm aquecidos; há também sonhos, fatias de pão passadas em melado, amontoados em pirâmides. Debret conta que, depois de 1822, chegaram ao Rio quitandeiras baianas, com seus turbantes e camisas bordadas, oferecendo guloseimas como o “ataçaça”, um creme doce frio, servido em canudo feito de folha de bananeira, e o bolo de canjica, vendido em folhas de mamoeiro.
Vendedoras de sonhos, manuês, aluás
As vendedoras de angu ficam em suas quitandas ou circulam pela praça. Para o francês, fazem uma iguaria requintada, com diversos pedaços de carne e miúdos, banha de porco, dendê, quiabo, folhas de nabo, pimentões e tomates. Para acompanhar, uma vasilha com farinha de mandioca molhada. Há, ainda, as vendedoras de pão-de-ló, um bolo leve, que acompanha o café (também vendido nas ruas, em vasilhas de barro ou porcelana) ou o chá.