terça-feira, 29 de junho de 2010

Um Baron para o pato no tucupi



O casamento de barreado com vinhos quase pareceu brincadeira de criança perto de um poderoso pato no tucupi, o segundo desafio à harmonização da turma de enófilos - ainda sem nome - que, a partir de um acaso, passou a levar adiante a tarefa de "quebrar paradigmas" de casamentos entre vinho e comida, como gosta de dizer o amigo Álvaro Cézar Galvão, do blog Divino Guia.

Pois bem. Naquela terça-feira, 16, embalados pelos jogos da Copa que estreava e acomodados à mesa do Tordesilhas, o lugar oficial das nossas degustações, abrimos os trabalhos (para conhecer a turma de experts e blogueiros, confira meu post anterior; neste, houve uma substituição em campo: saiu João Filipe Clemente, entrou Breno Raigorodsky. Tudo começou com um magnífico tacacá.


Prato popular da região norte, o tacacá é servido em cuias nas ruas, ao redor dos mercados de Belém e Manaus, geralmente às cinco, numa espécie de "chá da tarde". Leva tucupi (o suco da mandioca brava), jambu (erva amazônica que tem a particularidade de amortecer a língua), camarão seco e goma de mandioca - esta, diluída em água e engrossada ao fogo, faz a base do tacacá.

Para acompanhá-lo, foi servido um sauvignon blanc Framingham 2008, da Nova Zelândia (88/100 pontos, segundo Jeriel da Costa). A mineralidade do vinho e a fruta muito presente conferiram ao prato um frescor agradável. E é aí que começa a delícia da harmonização, em que a única regra é a de que ela sempre podem ser quebrada e o que prevalece é dissenso.

As opiniões, portanto, se dividiram diante daquilo que é a tarefa mais complicada: o que combinar com o tucupi, o produto-chave da harmonização, mas que ainda enfrenta "barreiras culturais", que é pouco catalogado na memória de boa parte dos degustadores, e cujo perfil de sabor é ainda intrigante porque potente, selvagem, ácido... Para alguns, como o colunista da Prazeres da Mesa Maurice Bibas, um destilado seguraria melhor o prato. Para outros, o prato permanece na boca muito além do vinho. Eu fiquei na primeira turma - a do "frescor".

A parte mais difícil, porém, estava por vir. Onze garrafas, de várias nacionalidades e estilos, aguardavam a chegada do pato no tucupi. Ei-las:

Brancos e rosés
1. Jean Luc Colombo Pioche et Cabanon Rosé, Rhône, França (Decanter)
2. Cordilheira de Sant’anna Gewürztraminer 2008, Campanha Gaúcha, Brasil (Eivin)
3. Avondale Chenin Blanc 2009, Paarl, África do Sul (Vinhos do Mundo)
4. D’Arenberg The Dry Deam Riesling 2008, McLaren Valley, Austrália (Zahil)

Tintos
5. Chateauneuf-du-Pape Xavier 2006, Rhône, França (Cantu)
6. Don Laurindo Tannat 1999, Vale dos Vinhedos, Brasil
7. Marson Gran Reserva Cabernet Sauvignon 2002, Cotiporã (Serra Gaúcha), Brasil (Eivin)
8. Rocca Maura Les Cepages Merlot/Cabernet Sauvignon 2007, Rhône, França (Torres)
9. Avondale Pinotage 2008, McLaren Valley, África do Sul (Vinhos do Mundo)
10. Dal Pizzol Assemblage 35 anos (Merlot/Cabernet Sauvignon/Cabernet Franc/Ancelotta 2009, Vale dos Vinhedos, Brasil
11. Baron de Lantier 1991 (Cabernet Sauvignon), Brasil (reserva pessoal)


O pato no tucupi é outro clássico do Norte, prato festivo, feito em ocasiões como a festa religiosa do Círio de Nazaré. Mara Salles conta seu preparo: o pato é marinado durante mais de 12 horas e depois cozido no molho do tucupi com a chicória (erva amazônica) e o jambu. É servido com farinha-d´água e pimenta-de-cheiro do Pará.

A meu ver, houve basicamente duas lógicas distintas na escolha do vinho pelos participantes: um vinho branco com alto teor de acidez, para combinar por similaridade com a acidez do tucupi e do jambu (esta foi a minha escolha). E a outra era a de vinhos tintos já maduros, que não tivessem muito tanino, mas com boa fruta e álcool que lhe desse estrutura para aguentar a carne. Carne, aliás, de sabor delicado, pelo tratamento ao qual foi submetida, como bem lembrou Maurice.

A segunda lógica levou a taça: o campeão, para felicidade geral da torcida, foi o Baron de Lantier 1991, uma ícone brasileiro, feito por um enólogo argentino, Adolfo Lona, nos anos 1980, quando nem se falava em vinho nacional. Beto Duarte, Álvaro Galvão e Walter Tommasi reproduzem detalhadamente os processos de elaboração deste vinho, enviado por email pelo próprio Lona ao confrade Agilson Gavioli, o dono do vinho vencedor. Só uma palhinha: a safra, 1991, foi uma das melhores da história do país e as barricas novas onde o vinho descansou, francesas e já "montadas", foram as primeiras a chegar no Brasil. Sua nota média de harmonização: 7,6.

Mas a outra lógica não se mostrou incorreta: o Chenin Blanc sulafricano (uva que lá recebe o nome de Steen) levou o segundo lugar no ranking, empatado com outro tinto brasileiro, o Marson Gran Reserva. Vejamos o que a próxima nos reserva. Até lá!

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Barista campeão mundial é americano


O barista Michael Phillips, do Intelligentsia Coffee & Tea, nos Estados Unidos, venceu esta tarde o 11º Campeonato Mundial de Baristas (World Barista Championship 2010) na cidade de Londres. Dos 52 competidores, nesta que é a maior competição do mundo na categoria, saíram 12 semifinalistas. Entre eles estava Yara Castanho, da Suplicy Cafés Especiais, bicampeã brasileira, que no ano passado havia conquistado a 18ª colocação no mundial (nossa melhor posição foi o 6º lugar, com Silvia Magalhães, em 2007). A competição aconteceu entre os dias 23 e 25 de junho, no Olympia Exhibition Centre.

A pontuação dos baristas ainda não foi divulgada oficialmente, mas meus amigos da Espresso, Caio Fontes e Marcos Haddad, que acompanharam a competiçao in loco, já divulgaram os resultados no portal da revista, de onde extraio o placar abaixo:

1 - Michael Phillips - Estados Unidos (706 pontos)
2 - Raul Rodas - Guatemala (691 pontos)
3 - Colin Harmon - Irlanda (672,5 pontos)
4 - Scottie Callaghan - Austrália (659,5 pontos)
5 - Soren Stiller Markussen - Dinamarca (644,5 pontos)
6 - Stefanos Domatiotis - Grécia (632 pontos)

Assim como nas competições nacionais, que seguem o seu modelo, na competição mundial o barista tem 15 minutos para apresentar a 4 juízes sensoriais (e 2 juízes técnicos), 4 espressos, 4 cappuccinos e 4 bebidas de assinatura com café (mas sem álcool).

Mais três brasileiros foram a Londres este ano: Marco de La Roche, que representou o Brasil pela segunda vez na categoria Coffee in Good Spirits; Carolina Franco (Lucca Cafés Especiais, de Curitiba), na categoria Cup Taster; e Felipe Oliveira (também do Lucca Cafés Especiais), na competição de Latte Art.

Carolina teve 6 pontos (de um total de 8) e ficou em 11º na classificação geral (ao todo, foram 38 participantes). Marco de La Roche, com 22 pontos, levou o 7º lugar (num total de 26), e Felipe Oliveira ficou com a 24ª colocação (de 33 competidores).

O Campeonato foi transmitido pela internet ao vivo. A competição do ano que vem será na cidade de Bogotá, na Colômbia.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Goles sul-africanos

Vinhedos da Nederburg, vinícola oficial da Copa, em Stellenbosch

Ano recebendo diversas mensagens de importadoras com suas respectivas seleções de vinhos da África do Sul. Recentemente, a minha (nova) confraria faz uma degustação de vinhos brancos sulafricanos, comandada pela Alice Steyn, uma sulafricana que estudou enologia no país. Foi uma bela apresentação, mas o mais interessante é que o vinho "vencedor" custa baratíssimo. É preciso esclarecer, antes, que a votação dos confrades segue um critério de gosto, já que num painel deste tipo, mais amplo e que pretender dar a conhecer a variedade de estilos, não se pode comparar o incomensurável - Sémillon com Chardonnay ou Sauvignon Blanc.

Abaixo, segue a lista dos vinhos que degustamos. Também provamos ontem, no curso de sommeliers da ABS, dois exemplares muito bem elaborados (os números 6 - o mesmo da degustação com os confrades - e 9 da lista). Vale a pena provar, ainda, o vinho de sobremesa (número 10 da lista). Também aproveito o ensejo da Copa e reproduzo, aqui, a matéria que fiz para a revista Menu, que me enviou para essa missão tão especial que foi visitar África do Sul e provar diversos dos seus vinhos (além de andar de balão e montar um elefante, coisas que se faz uma vez só na vida!). E que vençamos no domingo!

1. Fleur du Cap Sauvignon Blanc 2008 (Casa Flora, R$ 54,49)
2. Stellenzicht Golden Triangle Sauvignon Blanc 2008 (World Wine, R$ 57)
3. Nederburg Twenty 10 Sauvignon Blanc 2009 (Casa Flora, R$ 31,20)
4. Pecan Stream Chenin Blanc 2007 (Waterford State, sem importação no Brasil)
5. Klein Constantia Mme Marlbrook 2004 (Expand, R$ 89)
6. Steenberg Sémillon 2006 (Expand, R$ 79)
7. Oracle Chardonnay 2008 (Pão de Açúcar, R$ 27)
8. Vergelegen Chardonnay Reserve 2004 (Expand, esgotado)
9. Kanonkop Wine State Pinotage 2007 (Mistral, US$ 65,50)
10. Nederburg Noble Late Harvest 1998 (Casa Flora, R$ 94,15, 375 ml)



Goles sul-africanos

Para os produtores de vinhos da África do Sul, a Copa do Mundo de 2010 servirá como uma grande vitrine dos tintos e brancos elaborados no país-sede do campeonato. A estimativa é que, no ano da copa, cerca de 10 milhões de pessoas visitem o país. A fama dos vinhos sul-africanos, entretanto, não é de hoje. Depois de períodos difíceis, a indústria vinícola ganhou novo fôlego na década de 1990, com o fim da política de segregação racial do Apartheid.

A África do Sul é o país mais antigo na produção de vinhos fora da Europa. Os primeiros vinhedos foram plantados em 1655, com a colonização holandesa, e o mercado desenvolveu-se com a chegada dos calvinistas franceses e suas técnicas de elaboração da bebida a partir de 1680. Os vinhedos, então, espalharam-se pela região banhada pelo Atlântico, ao redor da Cidade do Cabo, atual capital legislativa do país. No final do século 18, tornou-se famoso no mundo inteiro o vinho de Constantia: a bebida doce, elaborada com a uva branca moscatel, encantou a corte européia e personalidades como Napoleão Bonaparte e o poeta francês Charles Baudelaire. Na década de 80, o vinho voltou a ser produzido no país pela tradicional vinícola Klein Constantia.

Os séculos 18 e 19 foram conturbados para o cenário vitivinícola sul-africano — culminando com a praga phylloxera, que dizimou os vinhedos europeus, atravessou o oceano e atacou também as uvas do país. As cooperativas, criadas nos anos 1920, ajudaram a estabilizar a indústria de vinhos, sem preocupar-se, entretanto, com a qualidade das bebidas. Com o fim do Apartheid, os vinhos da “nação arco-íris” modernizaram-se, ganharam complexidade, refinamento, investimentos e consultoria de enólogos estrangeiros, estabelecendo-se no mercado internacional.

Em 2007, o país contabilizou 101 mil hectares de uvas plantadas, a maior parte delas concentrada nas regiões de Stellenbosch, Franschoek e Paarl, onde estão as vinícolas mais tradicionais. Ao todo, as cerca de 560 vinícolas do país — muitas delas com bela arquitetura colonial holandesa — produziram 730 milhões de litros em 2007, o que faz da África do Sul o 9º produtor mundial.

Assim como o Chile e a Argentina — que têm como uvas-símbolo, respectivamente, as francesas Carmenère e Malbec —, o país também possui uma uva emblemática, a típica Pinotage. Fruto de um cruzamento entre as uvas Pinot Noir e Cinsaut (antigamente conhecida como Hermitage), a Pinotage foi desenvolvida no país em 1925, e produzida comercialmente a partir da década de 1960. Tinta, escura e rústica, a Pinotage é motivo de controvérsias entre os enólogos. “Como pode ser elaborada em vários estilos, é uma uva complexa, difícil de compreender. Uns a amam, outros, a odeiam, embora sua aceitação internacional esteja crescendo”, explica Rasvan Macici, enólogo da Nederburg, em Paarl, um dos fãs da cepa. “Por isso, muitos produtores preferem elaborar vinhos mais fáceis de vender”, analisa.

A proporção de uvas plantadas na África do Sul é um dos indicadores das recentes apostas de seus enólogos. A internacional Cabernet Sauvignon ganhou espaço nos últimos dez anos: atualmente, é a tinta mais plantada, ocupando 12,8% dos vinhedos, seguida de Shiraz (9,7%) e da Merlot (6%). No mesmo período, a Pinotage se manteve estável (6%). “A Shiraz tem sido a grande beneficiária dessa tendência, embora a Cabernet seja a tinta mais popular”, avalia Macici.

É com a Cabernet Sauvignon, portanto, que o enólogo da Nederburg, elaborou os vinhos oficiais da Copa do Mundo. O Twenty 10, que está na fase de definição de seu rótulo, chega ao mercado sul-africano em 2009 e, depois, às prateleiras do Brasil e de países como Bélgica, Alemanha e Canadá. São três versões do vinho: um branco, feito com a Sauvignon Blanc, uva que tem rendido bons goles no país, um rosé e um tinto, ambos feitos com a Cabernet.

O Twenty 10 é uma das promessas para alavancar as vendas de rótulos sul-africanos no Brasil, que recebe 0,8% dos vinhos exportados pelo país. “Com o advento da Copa, esperamos dobrar as vendas no Brasil”, diz Linley Schultz, enólogo-chefe da Distell, um dos maiores grupos vinícolas do mundo, ao qual pertence a Nederburg.

E renderá bons goles para os que visitarem a África do Sul a partir do ano que vem – quer seja para assistir ao mundial ou para curtir safáris e prais paradisíacas, outros bons atrativos do país.


Meu primeiro leilão

Os jardins que circundam a vinícola Nederburg transformaram-se, em setembro, num imenso tapete vermelho. Por ele, desfilaram homens e mulheres elegantes atrás dos melhores goles sul-africanos que, durante dois dias, seriam arrematados no famoso leilão de vinhos do país. Vendidos em pequenas quantidades, os vinhos leiloados não estão disponíveis no mercado. São raridades, como o Monis Port 1948, respeitado vinho fortificado sul-africano, ou novidades, como as últimas safras dos vinhos brancos, bastante apreciados pelos enófilos.

O evento, que acontece anualmente nesta tradicional vinícola de Paarl, está em sua 34ª edição e atraiu este ano compradores de 15 países. O leilão de Nederburg, um dos cinco mais importantes do mundo, funciona como uma espécie de termômetro, regulando o preço dos rótulos que entrarão no mercado. Nem mesmo a inflação que atinge a economia sul-africana desde 2005 foi suficiente para tirar o brilho do evento, que arrecadou 4,7 milhões de rands (o equivalente a 1 milhão de reais, 10% abaixo do ano anterior), mas registrou um aumento no número de participantes.

A cada rodada, Stephan Welz, que também é leiloeiro da Sotheby’s, anuncia com voz contundente o preço mínimo de um dos 171 lotes deste ano. Entre os compradores, lá estava eu, acompanhada de um grupo de brasileiros amantes do vinho. Nossa disputa pelo lote com 24 garrafas do Edelkeur 1977, um delicioso vinho de sobremesa da Nederburg provado no evento, foi emocionante. As garrafas ainda não chegaram, mas ao serem abertas, trarão de volta o gosto doce do meu primeiro leilão de vinhos.


Reportagem publicada na revista Menu (dezembro/2008)

quarta-feira, 9 de junho de 2010


Carolina Gherardi
Não pude ir à festa da Prazeres da Mesa (estava numa degustação via twitter, o 1º Twitter Tasting da América do Sul, que pode ser conferida no blog do meu amigo Beto Duarte), mas segue a lista dos vencedores do Prêmio Melhores do Ano Prazeres da Mesa/Bohemia de 2010, anunciados ontem à noite, no Vila Über, em São Paulo. Ao todo, foram 16 categorias votadas. Só dois comentários: 1. categoria "artesão da gastronomia"? Produtor, né? 2. Adoro o prêmio "responsabilidade social na gastronomia". Está mais do que na hora de olharmos para além daquilo que acontece à mesa.

Chef do ano
Roberta Sudbrack (Roberta Sudbrack, Rio de Janeiro)

Chef revelação

Eudes Assis (Seu Sebastião, Maresias)

Restaurante do ano
Maní (São Paulo)

Sommelier
Daniela Bravin (Ici Bistrô, São Paulo)

Bar do ano
Bottagalo (São Paulo)

Barista do Ano
Yara Castanho (Suplicy Cafés Especiais, São Paulo)

Restaurante de cozinha brasileira

Mocotó (São Paulo)

Banqueteiro
Carlos Bertolazzi (C.U.C.I.N.A, São Paulo)

Brigada de ouro
Fasano (São Paulo)

Artesão da gastronomia

Companhia das Ervas (ervas e temperos)

Barman
Marcelo Vasconcellos (Pandoro, São Paulo)

Casa especializada
Maria Brigadeiro (São Paulo)

Chef pâtissier
Marcello Magaldi (Buffet Fasano, São Paulo)

Personalidade da gastronomiaVicente La Pastina

Responsabilidade social na gastronomiaInstituto Maniva

Personalidade do vinho

Manoel Beato (Fasano, São Paulo)

Café no Estantes e Panelas