domingo, 3 de maio de 2009
Recortes culinários
Rogério Voltan/Revista Menu
Recentemente, fiz uma matéria na revista Menu sobre os restaurantes que se dedicam não à cozinha brasileira em geral, - mas à uma fatia dela, como já fizeram os restaurantes de cozinha mineira e baiana. Talvez por um interesse revigorado pelo nosso patrimônio culinário e pela curiosidade em conhecer novas cozinhas nacionais, alguns restaurantes decidiram focar seus cardápios em culinárias pouco conhecidas dos paulistanos, como a do Mato Grosso do Sul ou a de Pernambuco - desvincluada agora de uma "cozinha nordestina". Para a reportagem, visitei alguns desses estabelecimentos (alguns deles, mais de uma vez), como o Sobaria, de cozinha do MS, o pernambucano Cordel e o Amazônia, do já veterano Paulo Leite (ex-Tucupi e Carimbó). Segue a reportagem, também disponível no site da revista (com receitas do Sobaria, do Cordel e do Amazônia).
Foi-se o tempo em que restaurantes regionais em São Paulo se restringiam aos mineiros e baianos. Com a valorização da mesa nacional e o caminho aberto por chefs como Mara Salles e Alex Atala, que incensaram ingredientes e pratos brasileiros, representantes das cozinhas de todo o País vêm pipocando pela capital paulista. Fazem parte da nova safra o Sobaria, de cozinha sulmato- grossense, o pernambucano Cordel e o Amazônia, com pratos da região que lhe dá nome. E estabelecimentos tradicionais como o Mocotó, que, com nova roupagem e pratos mais bem cuidados, engrossam o caldo formado ainda pelo cearense Colher de Pau e pelo paraibano Sabor do Picuí, recém-aberto no bairro da Pompéia.
Em comum, eles procuram mostrar a autenticidade e as particularidades das várias cozinhas nacionais, longe de estereótipos, simplificações ou reinterpretações. "Antes, restaurantes regionais eram sinônimo de lugares baratos e de pouca qualidade", avalia Francisco Rebêlo, chef e sócio do Cordel, aberto em 2007. Não são mais. Investindo em bons ingredientes e aprimorando técnicas de preparo, estas novas casas podem até se dar ao luxo de ter ambiente simples e despojado e localizarem-se fora do eixo Jardins-Itaim. Afinal, o que conta é a qualidade do que vem à mesa.
"Estamos num momento de evolução, fazendo pratos tradicionais tão bons quanto eles podem ser", arrisca Rodrigo Oliveira, chef do Mocotó, que embala sua carne-desol a vácuo e a cozinha a baixas temperaturas. "Ela fica macia e expressa toda a qualidade", explica. Soluções como estas fizeram do Mocotó o brasileirinho mais comentado da cidade nos últimos quatro anos, quando o jovem assumiu a cozinha. Rebêlo segue a mesma linha. "Tiramos alguns excessos, como quantidade de gordura, sem perder as características dos pratos", diz. Junte-se a isso uma melhor logística na distribuição de ingredientes, a empolgação de chefs com produtos brasileiros até há pouco desvalorizados (como o quiabo e os derivados da mandioca) e a curiosidade dos brasileiros pela própria cozinha e, pronto: o cenário está apto para receber casas que contemplem a diversidade da culinária brasileira.
Depois de comandar duas casas de culinária amazônica (o Tucupi e o Carimbó), Paulo Leite Filho abriu em 2008 o Amazônia. Lá, Leite explora as nuances de uma cozinha que faz sucesso mais pelos seus ingredientes - como tucupi, jambu e mandioca - do que pelos pratos que a configuram e que a diferenciam dentro da imensa região amazônica. A costelinha de tambaqui, por exemplo, é de Manaus, assim como o pirarucu fresco. "No Pará, só conhecíamos o pirarucu seco", diz o cozinheiro paraense, que oferece, aos sábados, clássicos locais, como a caranguejada e a maniçoba (carnes de porco e bovina em pasta de folhas de mandioca fervidas por vários dias).
Jean Haddad, do Sobaria, também apresenta pratos pouco conhecidos dos paulistanos. A começar pelo soba, macarrão japonês que ganhou contornos particulares em Campo Grande e originou estabelecimentos conhecidos como sobarias. "Nos anos 60, imigrantes japoneses de Okinawa chegaram à cidade e substituíram o porco do soba por filé mignon", explica. Haddad serve outros dois clássicos de seu Estado, como a linguiça de Maracaju (feita com carnes de primeira, picadas na faca e embutidas em pele de vitelo), e a sopa paraguaia, uma torta de queijo meia-cura, cebola e milho, vendida por índios paraguaios nas ruas da capital.
Assim como Paulo Leite, Rebêlo e Oliveira também mostram que a cozinha regional não está dividida por fronteiras entre os Estados. Enquanto o Mocotó disseca a cozinha do sertão pernambucano, com seus queijos-decoalho e carnes curadas, o Cordel explora a cozinha do mangue, com o seu molusco sururu e o caranguejo-uçá, e dos caldinhos, como o de feijão e de jerimum. Ou seja, cozinhas que correspondem a terroirs - um conceito ainda pouco discutido na gastronomia brasileira que engloba os ingredientes, cultivados em solos e climas diferentes, e a maneira de cada população prepará-los. Afinal, como brinca Oliveira, "os ingredientes pulam cerca, não se preocupam com fronteiras".
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