quarta-feira, 7 de março de 2012
Receituários do bem
Sim, este é um post para quem, como eu, gosta de história. Comentei recentemente sobre um evento dedicado a livros de cozinha, que aconteceu em fevereiro em Nova York e do qual participei.
A temática, como era de se esperar, girou em torno da cultura culinária americana – cuja riqueza passa, entre outros fatores, pela miríade de influências vindas com as diversas levas de imigrantes, em épocas distintas de sua história.
Um assunto recorrente nas apresentações e que me chamou a atenção foi a discussão em torno dos community cookbooks. O que são eles? Community cookbooks são receituários de cozinha, produzidos com o intuito de arrecadar fundos para instituições de uma determinada comunidade. Organizados por mulheres, reuniam receitas doadas pelas famílias locais e a receita obtida com sua venda destinava-se a igrejas, hospitais, cemitérios, escolas e, até mesmo, museus. Os primeiros “receituários do bem” foram produzidos nos Estados Unidos a partir de 1864. O primeiro deles chamava-se A Poetical Cook-Book, publicado naquele ano na Filadélfia. Em 1916, já havia 3.000 destes livros publicados no país, em virtualmente todos os estados da nação.
De capa dura no início, foram aos poucos e com o tempo migrando para formatos mais simples, como os espirais. Às vezes, possuíam anúncios pagos, e reuniam as receitas “favoritas”, “mais celebradas”, “testadas”, “práticas” e “úteis”. O mais interessante, porém, é que as receitas ali reunidas eram, geralmente, seguidas no nome de sua doadora. Alguns deles eram, inclusive, bilíngues, o que mostra sua aproximação e importância dentro das comunidades estrangeiras que se estabeleceram no país, como judeus, alemães e espanhóis.
A popularidade destes receituários de caridade retratam, mais do que uma reunião de receitas, as histórias dessas comunidades e o perfil de suas mulheres , seus desejos e suas lutas. Eles nascem num tempo em que as mulheres ainda não tinham direitos nem tampouco representatividade política, e os livros de cozinha eram um modo de participar da vida pública do país. Uma leitura mais atenta mostra ainda traços das questões debatidas na época de cada publicação: a industrialização da dieta com a produção de enlatados e teorias raciais são algumas dessas questões.
Para os estudiosos que se encontraram naquela fria tarde de fevereiro em Nova York, os community cookbooks são uma fonte mais fidedigna daquilo que realmente se cozinhava.
Para saber mais: Bowler, Anne L. (org.). Recipes for Reading: community cookbooks, stories, histories. Boston: University of Massachusetts Press, 1997.
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