domingo, 2 de dezembro de 2007
Bom para comer, bom para pensar
iStockphoto
Lendo alguns artigos sobre alimentação me deparei com um pequeno comentário de uma historiadora que tem tudo a ver com situações com as quais me deparo. A saber, a citação, com fins de fornecer autoridade a um texto, de frases "célebres" de personalidades que, na verdade, foram absolutamente deslocadas de seu contexto original e que, na maioria dos casos, passam à "eternidade" sem ter, na verdade, qualquer relação com a argumentação na qual foram inseridas. Digo isto porque é comum topar com frases - de Brillat-Savarin, Alexandre Dumas e outras personalidades gastronômicas - que se perpetuaram no tempo e que são repetidas à exaustão sem que haja uma alma sequer disposta a checar o original de onde ela foi extraída. E, já que em terra de cego quem tem um olho é rei..., segue o resumo do pequeno "artigo" da historiadora australiana Barbara Santich, da Universidade de Adelaide, sobre comida e Lévi-Strauss:
Sua reflexão surgiu quando um amigo de Barbara decidiu tornar-se vegetariano não por convicção ou questões de saúde, mas porque vegetarianismo é “bom para pensar”. Vamos à sua análise: a idéia de que certas alimentos são “bons para pensar” e, portanto, “bons para comer” é comumente associada ao antropólogo francês Claude Lévi-Strauss, e há análises sobre esta frase que a interpretam da seguinte forma: as pessoas selecionam a comida pelas mensagens que elas contêm, mais do que por suas calorias e proteínas.
Para a autora, entretanto, não foi isso que Lévi-Strauss quis dizer: a idéia original – “bon à manger" e "bon à penser”, está inserida na análise do antropólogo sobre o totemismo (Totemism, livro escrito na década de 60), e explica porque certos animais são escolhidos para figurarem como totens – não porque eles sejam bons de comer, mas porque são bons para pensar. “Os animais no totemismo deixam de ser somente ou principalmente criaturas que deve ser temidas, admiradas ou invejadas: sua realidade perceptível permite a concretização de idéias e relações concebidas pelo pensamento especulativo com base em observações empíricas”, reproduz a autora, em inglês, a partir do original de Lévi-Strauss. Portanto, conclui Barbara, o uso inicial da frase de Lévi-Strauss “bom para pensar” está relacionada pura e simplesmente à escolha de animais como totens, não havendo nenhuma implicação direta com escolhas alimentares. E mais: segundo ela, ele jamais voltou a esse pensamento em seu trabalho mais conhecido, O cru e o cozido (agora disponível em edição de capa dura pela Cosac Naify, com belíssima tradução – o que permite perceber a especificidade e dificuldade dos escritos do antropólogo).
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2 comentários:
Oi, Cris.
No meio dos estudos, fui buscar essa frase na internet justamente para lembrar o que o autor queria dizer e caí aqui no seu blog. É realmente interessante como os estudos da alimentação se apropriam de máximas e conceitos que a princípio não "lhe dizem respeito", como a pimâmide de Lévi-Strauss. Sintoma que ainda não existem estudos sufientes sobre o tema, né?
Abraço,
Joana
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